Festejam-se hoje 48 anos sobre o 25 de Abril que trouxe a Portugal a Liberdade e o início do regime democrático em que vivemos desde então.
Data de simbolismo especial porque são passados 48 anos sobre o fim de um regime político que tinha tido início precisamente 48 anos antes, na sequência da revolução militar que se iniciou em Braga em Maio de 1926. Os militares comandados pelo Gen. Gomes da Costa tomaram o poder notoriamente sem saber bem o que fazer com ele, saberiam apenas que queriam acabar com a República, que ficou conhecida como a Primeira. E acabaram por entregar esse poder a Oliveira Salazar que tomou posse como Presidente do Conselho de Ministros em 5 de Julho de 1932 dando início a um regime ditatorial montado de acordo com a sua vontade a que chamou «Estado Novo». Só abandonaria o cargo em 1968 após uma queda que o incapacitou, sendo substituído por Marcello Caetano que deu continuidade ao regime, com algumas alterações, mais de nome que de substância. Continuou a haver censura, partido único, polícia política e tribunais plenários, para além de legislação social anacrónica como a inferiorização das mulheres, constituindo uma excrescência política apenas acompanhada por Espanha numa Europa ocidental saída da Segunda Guerra Mundial com regimes democráticos liberais generalizados.
E, fundamentalmente, Portugal estava em guerra com forças independentistas em África desde 1961, com teatros de operações na Guiné, em Angola e em Moçambique. Após tantos anos em guerra, numa guerra solitária uma vez que todos os países europeus com impérios haviam já procedido à descolonização, centenas de milhares de jovens portugueses tinham já passado pelas fileiras, com milhares de mortos e feridos com gravidade, para além dos problemas psiquiátricos provocados pelo stress traumático.
Observando a partir dos dias de hoje, é evidente que o regime que se auto-intitulava de «Estado Novo» estava moribundo. Em 25 de Abril de 1974 militares dos três ramos das Forças Armadas que constituíram o «Movimento das Forças Armadas» deram-lhe o golpe fatal, sem que praticamente tenha reagido. Revolução dos cravos, ou revolução sem sangue, assim ficou conhecida. Apenas um ano depois do 25 de Abril de 74 os portugueses maiores de idade, todos os portugueses pela primeira vez, exerceram o direito democrático de votar escolhendo quem pretendiam que os representasse na Assembleia Constituinte de que sairia a nova Constituição promulgada em 1976, estabelecendo as bases do regime democrático cuja fundação hoje celebramos. Claro que se seguiu um período conturbado de definição de caminhos a seguir mas também de aprendizagem de vida democrática, que terminou em Novembro de 1975, após o que se entrou na normalidade democrática.
O tempo foi levando o que era acessório, decantando o essencial. Foi assim que muitos dos heróis daqueles dias fundacionais foram mostrando as suas fragilidades, fossem generais, almirantes ou simples civis. O tempo acabou por mostrar quem foi verdadeiramente herói e sempre o foi pela vida, de forma humilde, mas sem nunca se desviar do seu caminho da verdade e da justiça. E, ao fim de todos estes anos, uma figura simples emerge como o verdadeiro símbolo desse espírito de libertação da tirania, sem pedir absolutamente nada em troca para si, sempre com verdadeiro respeito pelo povo de que provinha e de que nunca se separou. O Capitão Salgueiro Maia foi de facto a figura maior daquele dia, quer na forma serena mas decidida com que enfrentou as dificuldades no Terreiro do Paço e na Av. Ribeira das Naus, mas também no Carmo. Os portugueses ficaram a dever-lhe muito, muito mais do que se imaginava e, sem ele, os Generais e Comandantes da Junta de Salvação Nacional não teriam certamente podido surgir à noite na RTP como o fizeram.
Mas há outra figura nacional ligada ao 25 de Abril, merecedora de todo o nosso respeito e admiração, que também manteve sempre uma atitude humilde, sendo uma das figuras maiores da nossa Cultura, José Afonso, de quem aqui deixo a primeira estrofe, cheia de significado, do tema que acabou por ser senha do 25 de Abril:
Grândola,
vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Abril de 2022
Imagens recolhidas na internet