segunda-feira, 16 de maio de 2022

A DERROTA DE PUTIN (e de uns amigos que por cá vai tendo)


Ao invadir o país soberano que é a Ucrânia de uma forma selvagem mas simultaneamente incompetente do ponto de vista exclusivamente militar, Putin está a conseguir provocar alterações na cena internacional que poucos julgavam possíveis ainda há escassos três meses.

A derrota da Alemanha e do Japão em 1945 ditou o fim da Segunda Guerra Mundial tendo, no entanto, coincidido praticamente com o início da chamada Guerra Fria na sequência dos acordos de Yalta e de Potsdam e da instalação de regimes comunistas em grande parte dos países europeus de Leste, ocupados pelo Exército Vermelho. Apenas escapou a Grécia, mesmo assim depois de uma guerra civil perdida pelos comunistas.

A Guerra Fria, por muitos considerada como um prolongamento da II Grande Guerra, só veio a terminar em 1991 com o colapso da União Soviética. Muitos previram então o fim da História tal como tinha acontecido até então, sonhando mais uma vez com uma era de paz e progresso generalizados. Nada de mais errado, como hoje é claramente visível.

A globalização, se fez diminuir de forma impressionante a pobreza no mundo, trouxe igualmente novos e graves problemas relacionados com a evolução tecnológica. Muitos países não conseguiram acompanhar essa evolução, fechando-se em si mesmos através do surgimento de novos nacionalismos e com base em economias super dependentes de fontes energéticas como o gás natural ou o petróleo. É o caso da Federação Russa, o maior país do mundo cuja economia, contudo, é inferior à da Itália. A nostalgia do tempo em que a Rússia se podia confundir com a ex-URSS dominando os países do Pacto de Varsóvia e influenciando ainda grande parte daquilo a que se chamava «terceiro mundo» foi crescendo à medida que a incapacidade de gerir o enorme país euro-asiático, fazendo crescer a sua economia de forma sustentada e coerente à maneira ocidental, se foi tornando progressivamente mais evidente.

A invasão da Ucrânia, até há escassos meses considerada uma impossibilidade, está aí para mostrar como a Rússia de Putin e sua clique é incapaz de estabelecer um modo de vida pacífico e multilateral com o resto do mundo. É hoje evidente que, se a NATO é apresentada como o grande inimigo, na realidade é a própria União Europeia, com o seu sucesso económico e social, e o estilo de vida do Ocidente em geral que é insuportável para quem hoje gere os destinos da Rússia. Só que está tudo a sair ao contrário dos desejos do presidente russo. O povo ucraniano resiste de uma forma impressionante ao inimigo invasor e a resposta ocidental foi igualmente inesperada e fortíssima sob os vários pontos de vista, incluindo o apoio de entrega de armamento à Ucrânia.

E os restantes países vizinhos da Rússia, mesmo os que durante dezenas de anos mantiveram uma posição afirmativa de neutralidade, sentiram que a sua segurança está hoje colocada seriamente em questão. É assim que a Suécia e a Finlândia decidiram colocar-se sob o guarda-chuva de protecção da NATO, numa profunda alteração do status quo internacional. E não, não é a NATO que se está a alargar para Leste, são os países que sentem necessidade de protecção perante a efectiva ameaça russa. Bem podem os nostálgicos da antiga URSS e inimigos de sempre do modo de vida ocidental, da União Europeia, da América e da NATO vir gritar contra o expansionismo capitalista. Apesar de se auto-intitularem como estando do lado do progresso e da evolução da História, não são hoje mais do que apoiantes de regimes e sistemas políticos retrógrados, que recuperam o pior dos nacionalismos de há cem anos e que colocam em perigo a paz no mundo. Mais ninguém, além dos actuais governantes russos, acena com a ameaça, clara ou insinuada, da utilização de armamento nuclear. E não encontraram melhor resposta à decisão finlandesa de integrar a NATO, do que cortar o fornecimento de energia eléctrica àquele país, assim mostrando que se sentem em guerra com todo o resto do mundo.

Na realidade, Vladimir Putin, Sergey Lavrov e Dmitri Medvedev já perceberam que a aventura militar em que se meteram na Ucrânia está a correr mal, não só do ponto de vista de ocupação do país invadido, mas também para o povo russo em termos económicos e sociais. E, ao contrário de ampliar a influência russa no mundo, está a unir o resto da Europa em auto-defesa, para além de aprofundar os laços com o outro lado do Atlântico. As consequências da invasão russa da Ucrânia, para além da derrota militar já hoje evidente, irão muito para além deste facto, começando a desenhar-se uma nova ordem internacional em que Ocidente e China serão os principais intervenientes, económica e militarmente, com uma Rússia desfeiteada a lamber de novo as feridas em vez de ser um grande império como já foi e não é, precisamente por culpa dos seus dirigentes.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Maio de 2022

Fotografia retirada da internet

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