Dois acontecimentos estão a marcar os dias que passam na nossa Cidade: a Académica OAF caiu para a terceira divisão, independentemente da designação que lhe dêem e a candidatura de Coimbra a capital europeia da Cultura em 2027 não passou à fase seguinte.
Se qualquer uma das situações tem a capacidade de, só por si, deitar abaixo o nosso amor-próprio colectivo, a simultaneidade da sua ocorrência é algo de perturbador e acabrunhante, não sendo possível esconder nem tão pouco esquecer esta realidade que nos bateu à porta.
Numa época que iniciou com a vontade expressa de voltar à primeira divisão, a Académica está, a duas rondas do fim, em último lugar a 13 pontos do penúltimo. Até agora teve 3 vitórias, 7 empates e 22 derrotas. Pior seria sempre possível, mas era difícil. E é assim que, pela primeira vez da sua história de 134 anos, a Briosa cai para a terceira divisão, escassos dez anos depois de ter vencido a Taça de Portugal. A situação dramática do clube a nível desportivo é certamente resultado de problemas até agora insolúveis a nível de gestão, em particular no aspecto financeiro. Aliás, sinal disso mesmo é a não apresentação de listas para as eleições dos órgãos do clube na primeira data anunciada para o efeito, obrigando os actuais dirigentes a continuar em funções. Dois aspectos retenho neste momento. Em primeiro lugar, o presidente Pedro Roxo terá afirmado que «a história do clube irá fazer a Académica reerguer». Nada de mais errado! O que fará reerguer a Académica não é a sua história que é passado, embora de orgulho, e sim soluções organizativas e trabalho, muito trabalho humilde. E, já agora, capacidade de unir as diversas entidades representativas de Coimbra em torno de um projecto. Depois, não é só a Direcção que é responsável pela actual situação lamentável. São todos os órgãos do Clube que trouxeram a Académica até aqui e é essencial que a Cidade sinta unidade no interior do Clube, ou nunca disponibilizará os necessários apoios para virar a situação.
Sucede que na Académica ninguém veio acusar os árbitros pelos maus resultados desportivos obtidos, o que é de saudar, até pela excepção que constitui no conturbado mundo do futebol profissional em Portugal. E será talvez por esta circunstância que a reacção da comissão responsável pela candidatura de Coimbra a capital europeia da Cultura 2027 se torna mais notória e mesmo chocante ao optar por uma «futebolização» da Cultura ao nível mais baixo
De facto, após o conhecimento público do relatório do Júri que avaliou as candidaturas das diversas cidades candidatas, aquela comissão veio acusar o júri de alegadamente não ser imparcial tendo à partida uma posição contra Coimbra e mesmo de não ter lido o livro que corporizava a candidatura da nossa Cidade. Soube-se agora que a comissão organizadora enviou mesmo uma comunicação à organização europeia responsável pela escolha queixando-se disso mesmo tendo, como é evidente, recebido resposta adequada e a acabar com a questão. Os elementos da comissão organizadora não se apercebem de que, ao introduzirem um factor de batota na escolha estão, para além de demonstrar mau-perder, não só a descredibilizar um processo tão importante como escolher a capital europeia portuguesa da cultura em 2027, mas também a lançar um anátema sobre as candidaturas das cidades que passaram à fase seguinte?
E os cidadãos perguntam-se como se tornou possível que a Cultura em Coimbra, ao mais alto nível, tenha optado por seguir os passos do futebol naquilo que tem de pior, demagógico e auto-desresponsabilizante, que é acusar os árbitros pelos maus resultados? Tenho encontrado numerosas pessoas, mesmo algumas que apoiaram em geral o caminho seguido pelo «grupo de trabalho», que ficaram chocadas com a reacção dos seus responsáveis, embora por diversas razões calem em público esse profundo desagrado a que alguns chamam mesmo vergonha.
Como já escrevi neste espaço anteriormente, a candidatura de Coimbra não começou bem e não era minha intenção voltar ao assunto, mas senti ser necessário dar voz ao descontentamento que corre na Cidade e, quem não deve, não teme. Infelizmente, como para dar razão à voz do povo, a candidatura acabou mal, já que "o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita". Foi o que aconteceu, muito para lá da não inclusão no lote das candidaturas que passaram à fase seguinte, a quem Coimbra deveria, desportivamente, felicitar e desejar as maiores felicidades. E aprender para o futuro, já que águas passadas não movem moinhos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Maio de 2022
Imagens recolhidas na internet
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