segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Reforme-se o Sistema de Pensões de forma séria!


Devo começar esta crónica com uma declaração de interesse: devido à idade, também eu passei há alguns anos para a classe dos aposentados com pensão da Segurança Social. O que, se me aumenta o interesse pela matéria em causa não me impede, desde há muito, de ver o óbvio, isto é a necessidade imperiosa de fazer uma verdadeira reforma do Sistema Nacional de Pensões. E essa necessidade vem das alterações demográficas radicais da sociedade portuguesa conjugadas com o tipo de financiamento do sistema que é garantido, em cada momento, pelas contribuições dos trabalhadores e empresas onde trabalham e não pela capitalização das contribuições feitas ao longo das respectivas carreiras. É fácil de ver que, havendo cada vez mais idosos a receber pensões e cada vez menos jovens a contribuir, este sistema rapidamente se tornará insustentável, ao contrário do que certos políticos têm garantido ao longo dos anos. Se as pensões actuais estão em perigo, ainda maior problema é o das pensões dos futuros reformados que andam hoje na casa dos 40/50 anos.

Aproveito para recordar aqui que o Governo de Passos Coelho tentou mexer nas pensões e na TSU, iniciativas essas que, na minha opinião, lhe valeram a perda da maioria absoluta nas eleições seguintes e a construção de uma imagem negativa que dura até aos dias de hoje. Trata-se, portanto, de uma questão política da maior importância, mas que exige simultaneamente uma sensibilidade e respeito por diversos interesses inteiramente legítimos que as maiorias absolutas tendem a subestimar com arrogância.

Na semana passada o Governo apresentou o seu «pacote» de medidas para apoio dos cidadãos que estão a sofrer economicamente com a inflação que voltou a surgir já no ano passado e com a subida dos custos da energia. Nem adianta comentar a diminuição do IVA na electricidade que se traduz numa poupança mensal de um euro e pouco. O apoio de 125 euros dividido pelos meses que 2022 já leva também pouco contribui para minorar o acréscimo de preços na alimentação e outras despesas que já vai em 8/9% em média geral, mas em muito mais em produtos essenciais como o peixe ou a carne. Mas, atenção, este «apoio» é apenas para os actuais trabalhadores e desempregados. Para os pensionistas reservou-se outro tipo de «apoio».

E é no dito apoio aos reformados que a «a porca torce o rabo» como se costuma dizer. É sabido que a conjugação da inflação com o crescimento económico devido apenas à recuperação pós-pandemia provocaria, pela aplicação estrita da lei da actualização das rendas em vigor, um aumento excepcional em 2023, como aliás o primeiro-Ministro se fartou de anunciar quase como se fosse uma benesse do governo. Devo dizer que pessoalmente a minha curiosidade era enorme sobre qual seria o processo que o Governo utilizaria para tentar fugir às consequências sobre a sustentabilidade do sistema das Reformas. E, de facto, alguém do Governo fez as contas e ficou assustado. Muito assustado,


mesmo. Como resultado, virou-se a questão ao contrário. E os aposentados, em vez de receberem um apoio directo como os todos outros portugueses, foram presenteados com o pagamento, em Outubro deste ano, da antecipação de parte do aumento das reformas de 2023 que lhes seria sempre pago! Quase nem se acredita em tão excelente «apoio». Em consequência, a base final do montante da reforma no final de 2023 ficará mais abaixo, diminuindo para sempre o montante das reformas futuras. Volta troika que estás perdoada, apetece dizer. E não adianta vir o Governo acenar com um reforma a fazer em 2023 porque essa, que terá que haver, será certamente para cortar ainda mais nas reformas, pelo andar da carruagem da inflação e das taxas de juro. Tudo isto se parece com uma gigantesca falcatrua de que são vítimas os pensionistas, os mais indefesos por não terem quem os defenda, levada a cabo pelo Estado, precisamente quem os devia defender em primeiro lugar. O Estado que assim poupará umas centenas de milhões de euros anualmente a partir de Janeiro de 2024 é precisamente o mesmo Estado que já atirou com vários milhares de milhões para cima da transportadora aérea e de um banco privado mal vendido!

Se é inteiramente compreensível que a Lei do Sistema Nacional de Pensões seja revista em função da sua sustentabilidade, que tal seja feito de forma democrática, isto é na Assembleia da República pelos representantes do povo e não à socapa como se está a fazer. O Presidente da República foi lesto a promulgar este «pacote» e, na minha humilde opinião, andou muito mal ao autorizar este engano aos pensionistas. Porque finalmente os portugueses parecem ter aberto os olhos e, ou me engano muito, ou o Governo vai ter que arrepiar caminho nesta matéria.  

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Setembro de 2022

Imagens retiradas da internet

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