Os primeiros dias de Novembro em que lembramos de forma particular os entes queridos que já partiram têm para muitos de nós, na realidade, uma importância interior a que não podemos fugir. Isto muito para além das flores que, eventualmente, podemos ir depositar junto das suas campas e que só serão importantes se forem um reflexo exterior do que vai nos nossos espíritos. Estes momentos tornam-se-nos cada vez mais impressivos à medida que nós próprios avançamos na idade e, principalmente, quando já estamos na primeira linha e não temos connosco ninguém das gerações que nos antecederam com quem possamos partilhar algo.
E é assim que nos encontramos a fazer auto-avaliação das nossas vidas ou, pelo menos, a relembrar os nossos trajectos pessoais, familiares e profissionais, aquilo que fizemos, o que não fizemos, o que poderia ter sido diferente. Pessoalmente, não sou de pensar em vidas que se poderiam ter tido em alternativa às que se tiveram porque tudo o que fazemos em cada momento condiciona o que se lhe segue e o futuro está sempre em construção, nada estando escrito previamente. Em cada momento da vida há diversas opções a escolher e me parece que só quem não tem consciência dos seus actos e das suas responsabilidades em cada momento pode acreditar em pré-determinações. Tal como nós temos sonhos para os nossos filhos e mesmo para os netos, os nossos pais sonharam também com os nossos futuros, desde o momento em que nos trouxeram ao mundo mas, na realidade, os sonhos não passam disso mesmo e somos, com a excepção daqueles que aceitam deixar-se conduzir, aquilo que nós próprios fizemos de nós.
Quem tem a sorte de ter Fé encontra na vida um rumo com um fim determinado acreditando que no fim desta vida terrena se encontrará o começo de outra vida. Vida essa que, a existir, ninguém sabe exactamente como será porque nunca visitada com regresso. Mas o que nos interessa enquanto cá andamos é a forma como vivemos, fundamentalmente no modo como nos relacionamos com os outros. Quanto a isto o Papa Francisco tem realçado por vários meios o papel essencial da misericórdia que associa indelevelmente à essência divina, mas não deixando de apelar ao conceito para a acção do Homem, em particular em situação de poder, mas também no dia-a-dia pela benevolência e perdão.
Para todos nós que nos preocupamos com o que fazemos ou fizemos ao longo da vida, principalmente quando temos a consciência nítida de que nos aproximamos rapidamente do seu fim, tenhamos ou não Fé, há ainda algo mais que importa que é o respeito pela Verdade. Algo que hoje parece ter deixado de pertencer ao normativo social levado pela enxurrada do relativismo que dá valor a tudo e ao seu contrário, em função apenas do ponto de vista do observador.
E, quando olhamos para trás, vemos claramente como o respeito pela verdade tantas vezes nos levou a tomar decisões possivelmente tidas como injustas ou mesmo erradas pelos outros, levando a sofrimentos e obrigando mesmo a carregar culpas sem sentido ainda que com consequências pessoais pesadas. Mas, como diz o poeta, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. E, mais tarde ou mais cedo, a plenitude vem ao de cima e como que é possível respirar finalmente ar fresco. É quando parece que tantas peças que pareciam desencontradas começam a encaixar-se e toda uma vida faz sentido, incluindo fases e situações de felicidade e de desgosto, porque que todas elas constituem a experiência vivencial.
Muito mais do que viver a vida, um dia de cada vez como é usual dizer-se, há que respeitar o passado, o nosso e o dos outros, mas tendo consciência de que as nossas escolhas de hoje vão moldar o futuro que queremos para nós, para aqueles de que gostamos e para a comunidade em que nos inserimos. A memória dos nossos que já nos deixaram é uma boa razão para que pensemos na memória que nós próprios deixaremos aos que daqui a algum tempo, só podemos esperar que ainda longo, de nós também já só terão a recordação.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Novembro de 2022
Imagens recolhidas na internet
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