segunda-feira, 21 de novembro de 2022

E ANTÓNIO COSTA TEVE A SUA SEMANA “HORRIBILIS”

 


A propósito de outro assunto e com outros intervenientes, o Presidente Marcelo referiu que os políticos têm dias bons e dias menos bons. Foi nitidamente o que aconteceu a António Costa na última semana.

Ter que deixar cair o seu Sec. de Estado Adjunto nas circunstâncias em que tal aconteceu não foi propriamente algo de agradável e a sua imagem pública sai também muito prejudicada, digamos assim, de forma simpática. De facto, todo o percurso político de Miguel Alves se encontra ligado a António Costa de forma umbilical. Que tenha sido tornado público, essa ligação começou quando integrou o gabinete de António Costa enquanto ministro de Estado e da Administração Interna de José Sócrates. Quando António Costa se tornou presidente da Câmara de Lisboa em 2007, Miguel Alves foi também aí seu adjunto. Em 2009 foi trabalhar para a Geocapital de Stanley Ho (sempre Macau ao longe, para um determinado grupo de políticos). Em 2013 Miguel Alves foi eleito presidente da Câmara Municipal de Caminha, não sem que antes tenha tido uns tantos contratos de assessoria com a Câmara Municipal de Lisboa no valor de mais de 80.000 euros. Há cerca de dois meses Miguel Alves abandonou a Câmara de Caminha e foi para o Governo como secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, cargo até então inexistente, diz-se que para assegurar a coordenação do Governo.

Entretanto a imprensa tomou conhecimento de um estranho contrato celebrado pela Câmara Municipal de Caminha, enquanto era presidida por Miguel Alves, visando a construção de um pavilhão designado por «Centro de Exposições Transfronteiriço» e o nome do sec. de Estado não mais saiu dos jornais. Tudo porque a construção do tal pavilhão nunca avançou, tendo contudo a Câmara de Caminha avançado, isso sim, com um adiantamento de 300 mil euros por conta de rendas futuras. Tudo se tornou ainda mais nebuloso quando o empresário que convenceu a Câmara de Caminha a avançar com aquele negócio, surgiu a público com tretas em currículos académicos e empresariais à vista de toda a gente. Entretanto, o Ministério Público abriu também uma investigação ao negócio.

Apesar disso, António Costa segurou o seu sec. Estado até ao momento em que este foi acusado pela Justiça, num outro processo em que era anteriormente arguido e que não tem nada a ver com o caso do pavilhão. Argumentou sempre que a situação de arguido não era justificação para não exercer as funções governativas e nisso está certo. Mas, para além da Justiça, há algo que todos sabemos dever andar ao lado da legalidade na acção política, que é a pura decência. Como é evidente, António Costa não tem nada a ver com a acção de Miguel Alves na Câmara de Caminha, nem com os processos em que era anteriormente arguido. Mas que o nomeou para o Governo apesar disso e o segurou até ao último dos limites isso é também evidente e é politicamente significativo.


Ainda António Costa não teria recuperado do «affaire» Miguel Alves e surge a publicação do livro «O Governador» do jornalista Luís Rosa, baseado em entrevistas ao antigo Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa. No livro, Carlos Costa dá a sua visão sobre o seu papel ao longo dos dez anos em que dirigiu o Banco de Portugal, fazendo revelações sobre esse período crítico que abrangeu o resgate da «troika» e a crise profunda do sistema bancário com os casos BES, BANIF e BIC, além do sucedido no BCP. Explica ainda ao detalhe por que o PEC IV não resolveria os nossos problemas.

Recordo que Carlos Costa foi escolhido para o Banco de Portugal pelo Governo socialista de José Sócrates, tendo o seu mandato sido renovado por Passos Coelho. No livro, Carlos Costa toma posição sobre alguns assuntos concretos de grande relevância, sendo muito crítico relativamente a algumas actuações de António Costa. Todos nós estamos conscientes do conflito antigo entre Carlos Costa e Mário Centeno no Banco de Portugal, sendo lamentável que isso tenha transbordado para a política governativa ao mais alto nível.

A reacção de António Costa foi demonstrativa do incómodo que as revelações do livro lhe causaram, tenha ou não razão, não sabemos e, eventualmente, a Justiça decidirá sobre a matéria. Mas, politicamente, António Costa não hesitou em classificar o livro como uma operação montada para atacar o seu carácter. E isso mostra, com clareza que, para o Primeiro-ministro, a semana que passou foi mesmo a semana «horribilis» da sua vida política.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Novembro de 2022

Imagens retiradas na internet

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