Já lá vai o tempo do saudoso slogan «Coimbra, capital da saúde». Mas que se passe para uma situação que signifique exactamente o oposto é algo que não poderá ser de maneira nenhuma aceite pela nossa Cidade. Contudo, que tal é possível e já pode mesmo ser detectado no horizonte, isso pode.
Coimbra tem um dos cinco Hospitais Centrais do país, estando os outros quatro localizados em Lisboa (dois) e no Porto (também dois). A importância do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra é absolutamente decisiva para a Cidade, bastando para isso recordar que, enquanto a Universidade de Coimbra gere um orçamento anual à volta dos 176 milhões de euros e a Câmara Municipal de cerca de 175 milhões, o CHUC tem um orçamento anual a rondar os 550 milhões. Recordo ainda que o número dos funcionários do CHUC é de cerca de 8.600, o que permite aquilatar da sua importância também na área do emprego, para além das áreas da saúde e económica.
Quase que podemos dizer que o SNS nasceu em Coimbra, dado que daqui foram para o Governo António Arnaut e Mário Mendes responsáveis pela publicação no Diário da República, em 29 de Julho de 1978, do chamado «Despacho Arnaut» que abriu o caminho para o futuro Serviço Nacional de Saúde. Na sua sequência, em 1979, a Assembleia da República viria a aprovar a Lei que criou finalmente o SNS. Claro que a publicação de uma Lei não faz só por si uma estrutura com a dimensão do SNS, pelo que a seguir foram cruciais os papéis dos responsáveis que se seguiram na área governativa da Saúde, designadamente Luís Barbosa, Paulo Mendo, Maldonado Gonelha, Leonor Beleza e Albino Aroso.
O facto de em Coimbra existir o único Hospital Central fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto dá à nossa Cidade um papel excepcional no SNS a nível nacional, o que tem sido correspondido com a excelência e a relevância da Medicina praticada em Coimbra ao longo dos anos, certamente devido à ligação com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
Contudo, é claramente sentido pelos conimbricenses que a evolução recente do seu hospital principal não tem sido condicente com os pergaminhos históricos. Se analisarmos o que se tem passado nos últimos anos verificamos que o volume de investimento do CHUC é inferior ao registado em 2015. Esta redução é ainda mais expressiva porque, se virmos que o número de funcionários era de 7200 no mesmo ano, concluímos que o acréscimo apenas repõe o nível de serviço correspondente à passagem de 40 para 35 horas semanais. A redução no investimento torna-se, assim, ainda mais chocante, pelo que significa em termos de redução de capacidade de oferta, numa área de intensa, dispendiosa e permanente necessidade de evolução nos equipamentos.
Não fora a oferta instalada à pressa para receber os doentes de COVID durante o período agudo da pandemia e o antigo Hospital Geral (Covões) estaria praticamente esquecido num estranho abandono contrário aos objectivos que ditaram a constituição dos CHUC em 2011 no Governo Sócrates e à prática nos anos que se seguiram à fusão.
A nova maternidade anda ainda pelas promessas, quando o seu processo de construção estava praticamente pronto em finais de 2015; tal como o concurso para a construção/exploração do parque de estacionamento; tal como o alargamento da Urgência dos HUC.
Entretanto, o Governo avança uma nova gestão do SNS criando uma estrutura para a qual, pasme-se, não entrou ninguém de Coimbra, parecendo que o Porto tomou conta da situação. Se já havia anteriormente no ar a sensação de que, a nível nacional, os governos tendem a considerar o Hospital Central de Coimbra como uma excrescência difícil de compreender, já que os hospitais do Porto e de Lisboa seriam suficientes, essa sensação parece tornar-se cada vez mais real. Aliás, lembro-me bem de, num jantar/conferência realizado aqui em Coimbra, o então ministro da Saúde Correia de Campos ter afirmado que os índices habituais não justificavam um hospital central em Coimbra que, no entanto, estava cheio e que ainda por cima havia mais um hospital em Coimbra, o dos Covões, também cheio, o que era incompreensível para ele, que já tinha desistido de perceber como tal sucedia.
Ao contrário do que alguns afirmam, a expansão da oferta privada em Coimbra na área da saúde não é a origem das dificuldades e sim o contrário. É consequência da degradação da oferta do SNS que atira para o privado e para os seguros de saúde imensa gente que até há pouco só conhecia o SNS, em que confiava com inteira razão.
Coimbra deve acordar, também na saúde!
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Dezembro 2022
Imagens retiradas da internet
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