terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Paz para a Europa

Não é possível despedirmo-nos do ano 2022 esquecendo-nos do horror que se passa de novo num país da Europa, horror provocado por opções tomadas por pessoas como nós. Pessoas que respiram o mesmo ar que nós, que nasceram como todos nós, tal como brincaram em crianças como todos nós. Namoraram, casaram, foram pais e mesmo avós, usam as mesmas roupas que nós, andam em carros semelhantes, têm telemóveis e usam redes sociais como todos nós. E, no entanto…

E no entanto, levaram a guerra, a morte e o sofrimento sem limites a pessoas inteiramente semelhantes num país vizinho e historicamente irmão.

Não é ainda possível prever quando e como acabará a invasão da Ucrânia pela Federação Russa, mas o que se passou nos últimos dez meses é já suficientemente grave e revoltante para que se aceite sem que nos indignemos com a invasão propriamente dita, mas também com a reacção (ou falta dela) de boa parte do mundo.

O presidente ru
sso Putin justificou a guerra que levou à Ucrânia, na sequência aliás das ocupações de território ucraniano levadas a cabo em 2014, com argumentos que fazem lembrar irresistivelmente os que Hitler utilizou para invadir a Checoslováquia e a Áustria em 1938. A defesa alemã do conceito de «espaço vital» e as referências de cariz étnico encontram paralelismos evidentes nas justificações de Putin e são, obviamente, completamente inaceitáveis. Claro que o expansionismo russo para ocidente justificado com as adesões à NATO de países em tempos pertencentes ao Pacto de Varsóvia teve como consequência a adesão de novos países à aliança militar defensiva ocidental, incluindo os bálticos, por puro medo das botas cardadas russas. E essa foi a primeira e enorme derrota de Putin.

Mas desde Fevereiro que os ucranianos resistem heroicamente à ferocidade do ataque russo, no que é já outra semi-derrota da Rússia que contava conquistar a Ucrânia e colocar um governo fantoche em Kiev num prazo máximo de dois ou três meses. Bem pode Putin queixar-se pateticamente de que a Rússia está a ser atacada pelo Ocidente e pela NATO, que toda a gente vê que só há combates em território ucraniano. E, se a Ucrânia resiste graças ao apoio ocidental em dinheiro e armamento, tal é consequência da acção russa que resolveu atirar para o lixo a Carta das Nações Unidas que garante aos povos disporem de si próprios. Se a Ucrânia pretende um modo de vida do tipo ocidental e ligar-se à União Europeia e pertencer à NATO, tem pleno direito a fazê-lo por mais que isso custe ao regime de Putin que é o contrário disso.

A maior parte dos países tem-se manifestado contra a guerra na Ucrânia, curiosamente com as poucas excepções de países que ainda mantêm partidos comunistas no poder ou que têm lideranças extremistas, de esquerda e de direita. Mas, para além do apoio em armamento e dinheiro por parte dos EUA e de países europeus, as reacções contrárias à acção russa ficam-se pelas sanções económicas, que tantas vezes se assemelham a defesa de interesses próprios. Do ponto de vista diplomático, a Rússia continua a ser tratada como se nada se passasse, sem que da própria ONU surjam medidas de apoio à legislação internacional que defende direitos de países e pessoas. O que se passa em Mariupol onde a Rússia aproveita a sua ocupação militar para demolir o Teatro daquela cidade é a prova acabada de que a Humanidade está sob ataque. Para além do símbolo óbvio da destruição de património cultural, os russos estão a tentar encobrir a chacina que praticaram, dado que nas caves daquele Teatro foram mortas centenas de pessoas civis que aí tentaram refugiar-se das bombas.


Esperemos que esta guerra termine no ano que agora vai começar. Mas que seja uma paz efectiva e não apenas uma suspensão de combates, que são coisas muito diferentes. Mais cedo ou mais tarde terá que haver negociações de paz em que deverão participar a própria Rússia e os EUA, bem como a China, mas que não poderá deixar a Ucrânia de fora. Certamente, dessas negociações poderá sair o rascunho de uma nova ordem internacional. Contudo, depois dos avanços civilizacionais que se verificaram após a Segunda Guerra Mundial, há marcas que não deverão ser ultrapassadas, como a manutenção dos direitos humanos e do direito dos povos à auto-determinação, por mais que isso custe a algumas lideranças.

E não vai ser fácil. À maneira de P.S. partilho que acabei de ouvir, na mesa ao lado do restaurante, uma senhora afirmar com toda a convicção que «a Rússia, a Ucrânia e a NATO não estão interessadas na paz». A sério, parece ser boa pessoa mas acha mesmo que a Ucrânia, com a desgraça que lhe continua a cair em cima, não está interessada na paz!

Publicado originalmente no Diario de Coimbra em 26 Dezembro 2022

Imagens retiradas da internet

 

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