segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Primeiro, tomamos Washington, depois Brasília


É demasiado evidente para ser coincidência. Quando se preparava a tomada de posse do presidente eleito dos EUA Joe Biden há dois anos, milhares de apoiantes do presidente/candidato derrotado Donald Trump invadiram de forma aparentemente caótica o Capitólio, casa da Democracia americana. E todo o mundo testemunhou em directo pelas televisões o que se passou. Na sequência de um apelo de Trump para se manifestarem, os seus apoiantes, muitos deles mascarados e outros vestidos da forma mais extravagante apelando a sentimentos retrógrados e violentos, tomaram conta das instalações pela força, destruindo equipamentos e obras de arte e invadindo mesmo gabinetes de representantes e a própria sala do plenário. Enquanto isto se passava, os representantes, congressistas e senadores, tiveram de fugir escondendo-se em gabinetes trancados durante toda a tarde e boa parte da noite, enquanto as forças de segurança tentavam tomar conta da situação, o que demorou muitas horas.

Tudo isto sucedeu porque Donald Trump se recusava a aceitar o resultado eleitoral a que chamava mesmo fraude eleitoral, apelando aos «patriotas» a revoltarem-se para que a «sua» casa Branca não fosse ocupada pelo presidente democrata eleito. Os resultados eleitorais revelaram de facto um país praticamente dividido politicamente ao meio, mas sobretudo, radicalizado de uma forma preocupante num clima que se diria de quase pré-guerra civil, não fora a existência de sólidas instituições. Há mesmo analistas quem defendem que se desenvolveram na sociedade americana fortíssimas franjas evangélicas extremistas dentro do cristianismo, à imagem dos extremistas islâmicos que deturpam a mensagem original de paz da sua religião.


E agora aconteceu algo semelhante em Brasília, no rescaldo da eleição presidencial ganha por Lula em que o anterior presidente Bolsonaro foi derrotado. Depois das eleições Bolsonaro praticamente desapareceu da cena política e nunca reconheceu publicamente que Lula havia vencido, argumentando com fraude eleitoral nunca provada tal como Trump fez, não comparecendo à cerimónia de tomada de posse como é tradição fazer. Poucos dias depois dessa cerimónia alguns milhares de apoiantes do presidente derrotado invadiram o centro de Brasília e ocuparam a Praça dos Três Poderes e os edifícios do Congresso, Planalto e Supremo Tribunal. Tal como tinha acontecido em Washington as forças de segurança demoraram a actuar de uma forma algo incompreensível com a agravante de em Brasília ter sido possível ver polícias em confraternização com os invasores.

Ainda de forma mais visível do que acontecia com Trump, Bolsonaro era apoiado por facções evangelistas extremistas fazendo mesmo dessas ideias a base fundamental das suas opções políticas, ia dizer ideológicas, mas não me parece que o cheguem sequer a ser.

Como todos sabemos, a América do Sul e Central sempre foi pródiga em substituição sucessiva de regimes de esquerda ou de direita através de golpes militares. O Brasil também passou por uma experiência de ditadura militar entre 1964 e 1985 e é agora possível verificar a existência de muitos saudosos desse tempo que esperavam ver a invasão a Brasília ser seguida de um golpe militar, o que não sucedeu.

Os maiores países das Américas, em termos populacionais e económicos, que são os EUA e o Brasil vivem em Democracia e foi possível verificar que as instituições que devem garantir a estabilidade democrática funcionaram nas situações em que estiveram em perigo. Contudo, estas situações não caíram do céu, antes tendo sido consequência de problemas sociais graves que se mantêm. As sociedades americana e brasileira estão divididas praticamente ao meio e as posições de ambos os lados estão perigosamente extremadas em ambos os países.

Cabe aos vencedores terem a capacidade de baixar os níveis de confronto encontrando formas de conciliação social. Tal obrigará a estabelecer pontes com os adversários e aguentar as pulsões vingativas dos seus apoiantes. Para tal terão de ter capacidade para resolver os verdadeiros problemas das sociedades, com seriedade e abandonando populismos extremistas. Se não o fizerem, serão muito provavelmente mordidos pela cobra que nascerá do ovo que estarão a chocar. É o futuro em paz e progresso que o exige.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 Jan 2023

Imagens recolhidas na internet

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