António Costa começou o ano de 2002 com uma vitória eleitoral que lhe proporcionou uma maioria absoluta no parlamento. E começou por declarar que «maioria absoluta não é igual a poder absoluto». Frase que marca um início se uma legislatura, tal como a de António Guterres, ao afirmar anos antes, em aviso ao Partido Socialista após vencer as eleições legislativas: «no jobs for the boys». Frases fortes ditadas por um optimismo excessivo dos líderes que as pronunciaram ou apenas uma forma de tentar construir uma narrativa disruptiva da realidade de todos conhecida. De qualquer forma, todos sabemos no que deu a governação de Guterres no que respeita ao aspecto a que ele se referia, certamente consequência da sua notória dificuldade em dizer não seja a quem for. É certo que as idiossincrasias pessoais se reflectem normalmente na actividade de toda a gente, mas não convém muito que tal facto tenha consequências negativas a nível da governação de um país.
Já a afirmação de António Costa acaba de ter a demonstração da sua importância, mas desta vez pelo absurdo. A sensação de poder absoluto exercido pelo seu governo é cada vez mais generalizada, tendo atingido o pico com esta história da indemnização paga a uma administradora da TAP aquando da sua saída da companhia aérea nos primeiros meses de 2022e do que se lhe seguiu: ida para presidente da NAV e saída desta para secretária de Estado do Tesouro, no Ministério das Finanças. Contextualizando, a TAP que tinha sido privatizada pelo governo Passos Coelho foi de novo nacionalizada pelo governo de Costa conhecido por Geringonça. Passou, portanto, a pertencer ao sector público empresarial, aplicando-se-lhe as regras de gestão inerentes. Dado que essas regras impedem a contratação de gestores a nível internacional pelos valores máximos legalmente definidos, o governo decidiu isentar a companhia aérea do cumprimento dessas normas, contratando uma gestora estrangeira por um valor extraordinário para uma empresa pública portuguesa. Manteve, contudo, a maior parte das regras do sector público, designadamente no que toca a despedimentos e cumprimento de deveres perante as tutelas do Estado, no caso os ministérios das Infraestruturas e Finanças. Perante a incompatibilidade entre a presidente e a administradora Alexandra Reis, esta foi afastada com uma indemnização de meio milhão de euros em Fevereiro de 2022.
Depois disso foi nomeada pelo Governo e mesmas tutelas da TAP para a NAV Portugal, empresa pública que gere o tráfego aéreo em Portugal, tendo o respectivo pedido de parecer à CRESAP entrado logo no início de Abril. Alexandra Reis passou a presidir à NAV em Julho, mas por pouco tempo. Logo em 2 de Dezembro tomou posse como sec. de Estado do Tesouro. Mas o montante da indemnização era uma autêntica mina terrestre no caminho do governo. E quando a imprensa noticiou o caso a mina explodiu e levou pelos ares a sec de Estado do Tesouro e também o sec. de Estado e o poderoso ministro das Infraestruturas quando se soube que esse ministério tinha tido conhecimento do acordo de saída da antiga administradora da TAP.
Todo este processo, desde o funcionamento da gestão da TAP à saída da administradora, sua ida para a NAV e posterior cargo governamental até às evidentes guerras políticas ministeriais, passando pelo secretismo de tudo o que já se conhece e do que ainda apenas se adivinha é indiciador de um «quero, posso e mando» governamental. Que é o tal poder absoluto que Costa garantia em Março não ir existir.
Acresce que esta última saída do governo é a 11ª desde que tomou posse em Março último, numa sucessão impressionante de casos lamentáveis. O último, antes deste de Alexandra Reis, tinha sido protagonizado pelo anterior sec. de Estado adjunto do próprio António Costa, antigo presidente da Câmara de Caminha onde procedeu a adjudicações inacreditáveis.
O ex-ministro Pedro Nuno Santos justificou a sua saída por assumir a responsabilidade política «face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno deste caso». O problema assumido foi mesmo a percepção pública do caso e não o caso em si. Está tudo dito, para quem quiser entender. António Costa que, três dias depois destas demissões ainda não se manifestou publicamente sobre o assunto, pode ter começado o ano de 2022 da melhor maneira, mas não poderia terminá-lo de pior maneira tendo, ainda por cima, sido desmentido pela realidade nas suas promessas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Janeiro 2023
Imagens retiradas da internet
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