Os portugueses têm observado com o maior espanto toda a absurda sucessão de problemas com membros do Governo, incluindo a demissão de vários deles. Esse espanto é tão maior quanto o Governo goza de maioria absoluta, pelo que os seus problemas internos não podem ser atribuídos a ninguém estranho ao mesmo, nem sequer à Oposição que, notoriamente, ainda não encontrou o seu caminho com vista a construir uma hipótese de alternância. O caso mais incompreensível foi mesmo a saída de uma secretária de Estado um dia depois de ter ido ao Palácio de Belém para o Presidente da República lhe dar posse. Já a TAP e a sua gestão por parte do Estado, responsável por tal desde a re-nacionalização, foram razão para a demissão de um ministro e dois sec. de Estado; acresce que o ministro em causa era Pedro Nuno Santos, um dos mais notórios membros do Governo, apontado por muitos como o mais importante candidato para substituir António Costa quando este vier a deixar a liderança do PS. Pedro Santos que veio agora reconhecer, sabe-se lá com que objectivo por enquanto escondido, o que antes havia negado, com a justificação inacreditável da observação da «linha do tempo».
Como resultado da perplexidade nacional com a situação, o primeiro-Ministro deu um passo em frente e tirou da gaveta uma solução para evitar a sua repetição futura. E que solução: um questionário de investigação prévia a ser respondido por todos os possíveis governantes por si convidados. E correu outra vez tudo mal. Primeiro, António Costa pretendeu corresponsabilizar o Presidente da República que de imediato lhe lembrou que a escolha dos membros do Governo é uma responsabilidade do primeiro-Ministro e só dele. Depois, o rol das 36 questões que foram objecto de uma aprovação através de uma simples Resolução de Conselho de Ministros é considerado ridículo e até inútil pelos mais diversos sectores, à esquerda e à direita. Mais parece um processo de o próprio primeiro-Ministro se tentar livrar de responsabilidades em casos que eventualmente venham a surgir no futuro, atribuindo-as apenas ao membro do Governo que venha a falhar, mas que foi escolhido politicamente por ele próprio. Com a consequência perversa de afastar personalidades com carreira profissional ou empresarial que, pura e simplesmente, nunca aceitarão responder a tal questionário, ainda que venha a ser destruído mais tarde. A seriedade e a transparência que devem estar no cerne das escolhas dos governantes, que é sempre política, perdem estatuto face à necessidade imperiosa de garantir a pureza judicial e tributária dos cidadãos convidados. Na realidade a única pergunta a fazer aos convidados para governante deveria ser se conhece a legislação das incompatibilidades e se está de acordo com o seu cumprimento. Com alguma ironia, em face do que temos visto e ouvido, talvez caiba acrescentar aqui outra pergunta, que seria a de saber da disponibilidade do futuro governante para mentir aos portugueses. Restará como campo de escolha o exército de prosélitos partidários que, as mais das vezes, não têm qualquer currículo académico, laboral ou empresarial para apresentar, para além da sua carreira laboriosamente construída na jota e no partido.
O desnorte político do país é absoluto. Uma verdadeira caça às bruxas, tendo como objecto os políticos sejam eles governantes, deputados, autarcas ou apenas líderes partidários, atinge o clímax por estes dias, bastando ver as capas dos jornais diários para o verificar. Já não é a política, com a respectiva e necessária escolha de soluções diversas para os graves e imensos problemas nacionais que parece estar em causa. Com raras e honrosas excepções, a competência e capacidade de trabalho estão esquecidas perante a descoberta diária de actuações desastradas e denunciadoras de interesses obscuros que deveriam estar bem afastadas da política. E os responsáveis não são os habituais suspeitos extremistas populistas. Antes políticos profissionais bem ancorados no sistema que se convenceram de que uma maioria absoluta, que em democracia é temporária, lhes permite agir como se fossem donos de tudo.Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 Janeiro 2023
Imagem recolhida na internet
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