segunda-feira, 1 de maio de 2023

DEMOCRACIA E DEMOCRATAS

 


Uma das grandes forças do regime democrático é a possibilidade de albergar anti-democratas no seu seio. É claro que é também uma das suas fraquezas, porque fica frequentemente sujeito a que os demagogos o possam capturar pelo seu interior, levando as maiorias decisoras a crer no que lhes é vendido como verdade, quando é exactamente o contrário.

Portugal entrou no quadragésimo nono ano do actual regime, que foi fundado em 1974 e que é, felizmente, democrático. Claro que não temos democracia há 49 anos, nem podíamos ter, porque de uma revolução ou mesmo de um golpe de Estado que se siga a um regime ditatorial de partido único com dezenas de anos, seria quase impossível passar instantaneamente para uma Democracia plena.

Mas, na realidade, o chamado PREC (Processo Revolucionário em Curso), em que andaram à solta forças antagónicas com tentativas diversas de orientar de forma não democrática o que seria o novo regime que sairia do 25 de Abril acabou por durar pouco tempo, embora tenha sido um tempo intenso. No 25 de Novembro de 1975 as próprias Forças Armadas colocaram um fim no PREC, possibilitando ao país organizar-se através de escolhas feitas por eleições livres e democráticas. O regime acabaria por se consolidar em 1982 na chamada Revisão Constitucional que deu por finda a intervenção militar instituindo-se um Tribunal Constitucional para garantir a constitucionalidade da diversa legislação que, a partir daí, sucessivos Governos e Sessões parlamentares fossem produzindo.

O 25 de Abril constitui-se, assim, como um momento fundacional de um Regime, aquele em que vivemos. Quase cinquenta anos depois, mais do que fazer comemorações festivas, que são evidentemente justas e necessárias, já que a Liberdade nunca é celebrada em demasia, torna-se necessário fazer avaliações que devem ser o mais justas e realistas que seja possível.

Em primeiro lugar, é evidente que no momento da queda do antigo regime havia alguns cidadãos que tinham lutado contra ele de diversas formas. Se na sua maioria tinham como motivo dessa luta a instituição de uma democracia liberal à semelhança da Europa ocidental, outros havia que almejavam antes um regime comunista cujo modelo era a Europa de Leste orientada pela então União Soviética. Alguns portugueses acreditavam ainda na propaganda do Regime que, havendo durado tanto tempo quase se constituíra em «vida habitual e normal»; seriam cada vez menos, muito por consequência da Guerra Colonial que Portugal mantinha em África, quando todas as antigas potências coloniais já tinham dado independência aos seus territórios ultramarinos. Contudo, a esmagadora maioria do povo mal conhecia a Democracia e o seu funcionamento. Não se podendo considerar como democrata antes da Revolução, aderiu, contudo, com entusiasmo, até porque muitas famílias tinham algum familiar em países europeus ou americanos, que serviam de farol se não ideológico, pelo menos como se tratando de países onde se sentia que a Liberdade e o desenvolvimento económico andavam a par.

Foi assim que durante as primeiras dezenas de anos após o 25 de Abril o povo português participava de forma massiva e mesmo entusiástica nos diversos actos eleitorais que se iam seguindo. Com governações à esquerda ou à direita, melhor ou pior, mais ou menos intervenções externas, o país foi tendo algum equilíbrio, sem grandes extremismos. Até que António Costa correu com António José Seguro da liderança do PS e a seguir perdeu as eleições. Contudo, para sobreviver politicamente, aceitou fazer o que o seu partido antes nunca fizera desde 1975: fazer acordos parlamentares com a esquerda mais radical do PCP e do BE com vista a poder ser governo minoritário, puxando assim drasticamente o centro da política para o lado esquerdo. Como os desequilíbrios não se corrigem automaticamente apenas na Física, uma das consequências imediatas, para além das políticas seguidas, foi abrir o caminho para o surgimento de uma direita radical que se assume como anti-sistema, como antes nunca havia sucedido, que vai absorvendo ressentimentos e reacções um pouco por todo o espectro político.

E estamos hoje a ver as consequências, com cenas lamentáveis na Assembleia da República e fora dela. Enquanto os portugueses observam com espanto absoluto o que se vai destapando da gestão governamental do caso TAP, os partidos entretêm-se a, como eles dizem, colocar linhas vermelhas que só existem nas suas bolhas fechadas à realidade. Seriam bem mais consequentes ao responderem aos anseios populares fazendo uma avaliação da sua actuação com vista a uma alteração completa das suas práticas, começando por rever as leis eleitorais que favorecem os grandes partidos e cortam a ligação dos eleitores com os eleitos. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Maio de 2023

Imagens recolhidas na internet

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