Não foi certamente o acaso que determinou o insucesso das duas últimas sessões comemorativas que houve em Portugal, as mais importantes e significativas que temos na actualidade. Numa se comemora a própria existência de Portugal como país independente e noutra a fundação do regime democrático. Momentos que era suposto serem de júbilo e celebração colectiva transformaram-se em sinais de profunda tensão social e, pior, de denegação política da existência dessa mesma tensão. Em 25 de Abril, ao celebrarem-se os 49 anos do regime, vieram à tona incapacidades de aceitação da diferença que, em mistura com desrespeito pelo representante máximo do maior país que de nós saiu, o Brasil, levaram a que se a Assembleia da República se transformasse em palco de uma autêntica vergonha colectiva. No 10 de Junho, toda a festa e significado do local das celebrações ficaram escondidos por detrás de uma manifestação de professores que, ao destratarem na via pública o Primeiro Ministro em momento festivo, se diminuíram a si mesmos, enfraquecendo a própria luta reivindicativa que vêm mantendo há longos meses. Não se pense que esta minha visão constitui uma manifestação pessoal de “respeitinho bonito”, que não é de todo o caso. Lamentando que haja quem não perceba a diferença estre as diversas situações e circunstâncias saliento haver, no entanto, algo que une estes dois momentos, para além da má-educação evidenciada: a prova de que os extremos se unem em muito mais do que possa parecer à primeira vista, já que num se manifestou a extrema-direita e noutro a extrema-esquerda.
Mas estas manifestações evidenciam ainda uma insatisfação colectiva profunda que os extremistas aproveitam para os seus intentos imediatos, enquanto os responsáveis políticos moderados assobiam para o lado, deixando o terreno cada vez mais aberto precisamente para os extremistas.
Os momentos de celebração colectiva, ao contrário de manifestações de auto-satisfação, bem poderiam servir para se fazer uma avaliação do que tem sido feito nas últimas décadas, de bem mas também de mal feito. Até porque as sondagens indicam que os portugueses estão a tomar consciência de muitas coisas. Como o Expresso indicava há uma semana, 90% dos portugueses estão insatisfeitos com a distribuição de riqueza, 91% com o nível de impostos sobre o rendimento, 74% com o SNS, 68% com a educação pública e 87% com o combate à corrupção. Estes apenas alguns dos indicadores da insatisfação dos portugueses. Terá sido um balde de água gelada para os apoiantes do actual Governo que se afadigam a tentar mostrar que Portugal é um autêntico oásis na União Europeia.
A realidade é que o ordenado mínimo se aproxima cada vez mais do ordenado médio dos portugueses, com o que isso significa de destruição das classes médias cada vez mais proletarizadas. A saída de jovens portugueses com formação superior à procura de condições de vida de acordo com os seus sonhos e capacidades lá fora é cada vez mais uma realidade, enquanto um grande número permanece em casa dos pais até aos 33 anos, quando a média europeia é de 26. Não nos podemos admirar com a ocupação do espaço público de forma ostensiva por parte dos extremistas, sejam de esquerda como na Régua, ou de direita, como na Assembleia da República.
É verdadeiramente aflitivo que, precisamente numa altura em que as transferências de fundos europeus estão a ser gigantescas como nunca, o nosso crescimento nos últimos 20 anos tenha sido, em média, de 0,55% ao ano. Isto nos últimos vinte anos!
Temos de mudar de caminho. Em nome do futuro de filhos e netos.
Infelizmente, não vai ser fácil. Escondem-se os políticos do sistema, do PS e do PSD em estado de negação. Uns por prosseguirem com políticas corruptas e extractivas que levam paulatinamente, mas seguramente, o país para o lugar de mais pobre de toda a União Europeia. Outros porque, ou não têm coragem para o fazer, ou porque nem vêem necessidade de propor uma alternativa evidente, se apresentam apenas como mais competentes para fazer o mesmo, apenas melhor, enquanto aguardam pela saída de quem está.
Toda a organização política tem de ser repensada e verdadeiramente descentralizada. Os impostos sobre o rendimento e o trabalho têm de diminuir. Tal como sobre as empresas. A melhoria da rentabilidade da economia tem de passar a ser um desígnio nacional; não nos podemos tornar em empregados de café e de hotelaria dos europeus ricos, com todo o respeito por essas profissões.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Junho de 2023
Imagens recolhidas na internet
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