De vez em quando uma das netas pega no meu telemóvel e diz-me:” oh avô, tens que pôr isto como deve ser”. E toca de reorganizar aquilo tudo, da maneira como lhe parece melhor. Eu finjo reclamar, mas no fim deixo tudo como ela quer e dá-me mais gosto utilizá-lo assim, já que passa a ser uma memória permanente do carinho das crianças.
Mas esta simples situação tem um significado muito mais profundo. Na realidade, as alterações tecnológicas e sociais das últimas décadas têm sido de uma intensidade e rapidez que não devem ter paralelo na história da humanidade. Um dos aspectos tem precisamente a ver com a utilização de toda a parafernália que nos rodeia. As crianças utilizam os aparelhos com uma tal facilidade, que parece nascerem já ensinadas. Já nós, como o escritor destas palavras que viveu praticamente metade do século passado, temos de fazer um certo esforço para uma utilização meramente simples dos aparelhos. Parece ter sido há uma eternidade que surgiu o fax, primeira alteração radical que permitiu enviar documentos à distância, aliás boa parte de quem me lê neste momento até poderá estar a perguntar-se que diabo seria o fax. E, no entanto, parecia magia naqueles primeiros anos noventa, poder enviar a minuta de um contrato enquanto quem o iria assinar ainda estava em viagem para o local definido. Era uma revolução, mas que evolução para o mail dos dias de hoje. Aliás recordo-me que quando comecei a escrever crónicas neste Diário de Coimbra “que generosamente me acolhe nas suas páginas” ainda ia entregar o texto em mão que depois um redactor tinha de copiar para seguir para impressão.
Durante toda a juventude, para se ouvir uma determinada música era obrigatório comprar um disco (de vinil) ou então pedir para uma estação de rádio a passar num dos programas de “discos pedidos”. Quando apareceram as cassetes foi uma revolução porque se passou a poder ouvir a música preferida em qualquer lugar, mesmo no carro. Depois apareceram outros suportes, mas sempre físicos, embora tenham passado de analógicos a digitais. Atualmente tudo mudou. As colecções de discos e CD’s tornaram-se numa ocupação de espaço inútil, porque a internet permite ouvir literalmente o que se quiser quando e onde se quiser. Os fornecedores em música em “streaming” fornecem todos os tipos de música e mesmo os puristas da alta-fidelidade têm já a possibilidade de colocar um adaptador de música digital em analógica antes do amplificador possibilitando a qualidade sonora exigida. Os relógios mecânicos foram submersos com o aparecimento dos digitais que, por sua vez, foram também rapidamente engolidos pelos telemóveis e bandas digitais com controlo de actividade física.
Estes são apenas alguns dos exemplos das alterações que a evolução tecnológica tem trazido ao nosso dia-a-dia que se encontra muito mais facilitado em tarefas que antes eram muito trabalhosas. Talvez devido a isso mesmo, muitos dos nossos hábitos sociais estão também a passar por alterações. Algumas de tão profundas que só especialistas podem abordar e até reconhecer nos seus inícios, outras são já evidentes para toda a gente e serão apenas sinal das tais mais profundas. O exemplo do uso da gravata será dos mais fáceis de reconhecer; a rapidez com que as gravatas praticamente desapareceram do nosso quotidiano é espantosa. Se neste caso as implicações económicas não serão de monta, porque o fabrico de gravatas não terá nunca constituído um sector económico de grande relevância, outras alterações quotidianas têm grandes consequências a esse nível. O sector do calçado, por exemplo, passa por uma autêntica revolução. Quando andamos na rua podemos verificar que a percentagem de pessoas que utilizam sapatos clássicos de pele é extremamente diminuta, praticamente residual, perante a utilização de sapatilhas e afins.
O passado era tão colorido como é o presente, apesar da ideia que as fotografias antigas a preto-e-branco nos possam transmitir. Mas a verdade é que a sociedade está a passar por alterações radicais de uma forma que torna impossível prever o futuro, mesmo o próximo e que cores terá. Até porque a informalidade aparente pode não significar que, nas suas profundezas, a sociedade humana esteja a evoluir numa direcção coincidente com a superficial. E uma perturbante inteligência artificial está a dar os primeiros passos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Julho de 2023
Imagens recolhidas na internet
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