Um percurso profissional e pessoal variado traz em si experiências concretas que ajudam a fornecer uma visão muito real sobre o que até há pouco tempo se chamava “recursos humanos” e hoje se conhecem mais por “activos”, que inclui surpresas que, por vezes, se julgaria impossíveis. Mas acabam por ser muito mais frequentes do se poderia imaginar. Refiro-me, neste caso, a personalidades que atingem o topo das organizações em que se inserem, logo consideradas como extremamente capazes e mesmo competentes na sua área, mas que nessa posição mostram fragilidades antes desconhecidas que ferem gravemente a sua actuação daí para diante.
Todos conhecemos o ditado popular “não suba o sapateiro além da chinela” mas não é de nada disso que se trata. Falo de pessoas que até certa altura pareceram mais do que capazes mas que, de facto, ao chegarem ao topo mostram não terem os requisitos para a liderança.
Em instituições públicas, designadamente na área política, é muito requente, diria mesmo demasiadas vezes, isso acontecer. Na minha opinião tal é consequência de duas ordens de razão principais. Em primeiro lugar, as carreiras políticas desenvolvem-se no interior dos partidos, naquilo a que se costuma chamar uma bolha que se defende do exterior, permitindo a subida até patamares onde o poder passa a ser significado automático de “competência”; como os eleitos são designados previamente pelas direcções partidárias aos diversos níveis, os escolhidos são essencialmente os “yes-men” que passam a infestar tudo o que é ministério, secretaria de estado, direcção geral ou afins. Por outro lado, trabalho a sério em empresas é coisa que é desconhecida da esmagadora parte desse pessoal político. Vão subindo na hierarquia, entre comissões e assembleias até, eventualmente, chegarem a ministros ou mais, onde a sua incompetência desabrocha de forma magnífica. Torna-se assim muito fácil entender por que, entre os líderes políticos ou ligados ao Estado, se detectam personalidades que não fazem a mínima ideia do que andam a fazer, nem das consequências das suas decisões já que lá está, se tornou como critério de sucesso os resultados eleitorais seguintes que tudo apagam. Alguns mostram mesmo evidentes sinais de problemas mentais, mas nunca denunciados por medo do poder que detêm.
Claro que na vida privada, isto é, as empresas de cujos resultados saem todos os impostos que sustentam o Estado, existem filtros que normalmente impedem a incompetência de crescer no seu interior, sob pena de fecharem as portas. Mas a personalidade humana é muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista. E, ao longo da vida, assisti a situações espantosas pela sua implausibilidade, porque a inteligência e a competência técnica não preenchem por completo as condições para se ser bom administrador. Acontece por vezes, tal como é tantas vezes notório no sector público, que um certo deslumbramento provocado pela boa situação financeira, mas também pelo exercício de poder junto de quem está próximo, cega um excelente administrador quando passa a presidente. Ainda que tenha sido um excelente professor universitário na sua área e que tenha gerido nas suas áreas com a maior competência. Aquele saltinho para a posição que já não tem ninguém acima para olhar os seus actos faz toda a diferença. E catrapás, lá se estatela a todo o comprimento.
Na área privada, as consequências de situações deste género reflectem-se na empresa e outras partes directamente interessadas como os accionistas e trabalhadores. Já no sector público, as lideranças incompetentes passeiam-se sem grandes problemas porque se estabelecem cortinas a tapar a realidade, que raramente são abertas. E as consequências caem sobre toda a população.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Julho de 2023
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