terça-feira, 28 de maio de 2024

LEMBRAR A TRAGÉDIA DE ALFARROBEIRA

 


No dia 20 de Maio de 1449, passaram há pouco 575 anos sobre essa data fatídica, aconteceram os factos que para a História ficaram conhecidos como Batalha de Alfarrobeira. Na realidade, tratou-se mais de uma emboscada que teve como objectivo conseguido, eliminar o Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra.

Esta crónica cumpre de novo um dever pessoal assumido de relembrar a figura histórica do primeiro Duque de Coimbra, figura ímpar na Cultura portuguesa e europeia do seu tempo.

Dom Pedro pertencia àquela que Camões chamou Ínclita Geração, os seis filhos do Rei D. João I (o de Boa Memória) e Filipa de Lencastre que chegaram à idade adulta. Era o segundo mais velho destes seis, depois de Dom Duarte que, por ser o mais velho, foi Rei de Portugal.

Dom Pedro, tal como os seus irmãos, foi privilegiado com uma educação esmerada, fruto da experiência de sua mãe, vinda da mais alta aristocracia inglesa. A escolha do matrimónio de D. João I foi, como era costume na época, fruto de uma cuidadosa análise política em função dos interesses de Portugal, numa época em que um relacionamento ibérico era ainda impossível. Mas em boa hora a escolha recaiu em D. Filipa de Lencastre que, além da aliança que ainda hoje é a mais antiga do mundo, trouxe hábitos sociais e culturais sofisticados pouco usuais na corte portuguesa, até então.

Na sequência da sua actuação na conquista de Ceuta Dom Pedro foi recompensado com o ducado de Coimbra e ainda com os senhorios de Montemor-o-Velho e Aveiro. As suas viagens pela Europa durante três anos entre 1425 e 1428 tornaram-no conhecido como “Príncipe das Sete Partidas”. Começou a sua viagem por Inglaterra onde foi agraciado com a Ordem da Jarreteira, passando depois pela Flandres de onde remeteu a seu irmão D. Duarte famosa “carta de Bruges” com conselhos para a governação do país que ainda hoje surpreendem pela acuidade, conhecimentos e superior formação política em função do que hoje chamamos interesse público. Visitou o túmulo dos Reis Magos em Colónia e ao lado do imperador Segismundo da Hungria lutou contra os Turcos e recebeu a marca de Treviso. Percorreu a Itália e as principais cidades desde Veneza a Roma, travando conhecimento com altas personalidades como o Papa Martinho V. No fim das suas viagens atravessou a Península Ibérica e exerceu diplomacia em vários reinos

Muito importante, trouxe para Portugal algo que nas décadas seguintes seria de capital importância para Portugal: o livro de Marco Polo e um mapa-múndi com as rotas comerciais entre a Europa e o Oriente. E, de facto, o Duque de Coimbra veio a ser decisivo na gesta portuguesa dos descobrimentos, em alternativa à continuação das conquistas militares no Norte de África. No seu “Tratado da Virtuosa Benfeitoria” o Infante D. Pedro desenvolveu teoricamente o que na prática havia sucedido com a eleição de seu Pai como Rei nas Cortes de Coimbra, considerando o Poder real como sendo uma emanação da vontade popular.

O Infante Dom Pedro teve oportunidade de levar à prática as suas ideias inovadoras de organização do Reino durante o período em que foi Regente entre a morte de seu irmão D. Duarte e a maioridade de D. Afonso V, o que significou retirar poder à grande nobreza, o que teve como efeito suscitar a sua violenta oposição. Essa oposição veio a traduzir-se em praticamente uma guerra civil sendo o principal inimigo do Duque de Coimbra o seu meio-irmão Afonso, filho de D. João I nascido antes do seu casamento com D. Filipa. Dom Afonso, que tinha sido feito Duque de Bragança precisamente pelo Infante Dom Pedro durante a sua Regência. Tendo o Rei D. Afonso V acedido às vontades do Duque de Bragança, Dom Pedro e os seus homens foram recebidos às portas de Lisboa por um exército, do que resultou a morte do Duque de Coimbra e dos seus principais apoiantes. O sistema feudal regressava assim com toda a força, só vindo a ser ultrapassado pelas novas ideias no reinado de Dom João II, o chamado Príncipe Perfeito, ele próprio filho de D. Afonso V e neto por via materna de Dom Pedro, Duque de Coimbra.

A nossa Cidade continua a esquecer deliberadamente os maiores da sua História, com o Duque de Coimbra Dom Pedro à cabeça. É difícil entender esta situação quando Dom Pedro é uma figura ímpar na nossa História, que ultrapassou largamente a sua condição de nascimento dos pontos de vista cultural e político. Foi um homem largamente à frente do seu tempo, tendo por isso mesmo sido vítima da habitual inveja e atraso nacionais. A sua vida constitui um exemplo, a louvar e relembrar principalmente num tempo com tanta falta de símbolos verdadeiros de honradez, justiça e verdade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Maio de 2024

Imagem retirada da internet

terça-feira, 21 de maio de 2024

FESTIVAL DA EUROGRITARIA

 


Acredito que não será certamente por causa da politização do evento que o chamado Festival da Eurovisão 2024 ficará na memória dos telespectadores. Na realidade, há muitos anos que é visível a penetração da política na organização ou nas candidaturas dos países, de que até Portugal já foi disso exemplo no passado, por mais de uma vez. O activismo político utiliza todos os meios que pode e, quando a organização de um evento de grande escala não tem capacidade de se opor, aproveita a oportunidade. Claro que correu mal porque um dos intérpretes abusou e foi o seu país que acabou por se ver excluído da competição. A mistura da defesa dos palestinianos com o racismo anti-semita acabou por se virar contra os próprios, porque as votações directas permitiram perceber que o extremismo vanguardista que ocupa as televisões anda muito longe do sentir das populações anónimas.

Também não será por causa da afirmação pessoal de intérpretes que aproveitam para assumir a sua diferença no que diz respeito à sexualidade que este festival ficará na memória. De facto, já não podemos classificar como grande novidade o surgimento de intérpretes que se apresentam, mais do que cantores, como pessoas não binárias. O aceitamento pacífico da diferença generalizou-se nas nossas sociedades e os exageros de afirmação apenas atraem a atenção e atitudes opostas de minorias extremistas do lado contrário, no fundo bastante parecidas nos métodos.

Também não será a extravagância das indumentárias apresentadas pelos intérpretes (homens, mulheres, etc.) que este certame ficará na memória. A utilização de vestuários diferentes tem sido uma característica dos Festivais da Eurovisão desde há muito. A maioritária apresentação de intérpretes femininas em minúsculos trajes do tipo fato de banho é apenas mais uma demonstração da hipocrisia reinante em determinados círculos. Não foi há muito tempo que as feministas se insurgiram contra os concursos de misses em fato de banho e conseguiram que no início das corridas de automóveis e motas não houvesse jovens assim vestidas. E muito bem, digo eu, só se torna difícil de entender o actual silêncio perante idênticas utilizações do corpo feminino.

Este festival também não passará para a História pelos cenários de luz cor e movimento com utilização intensa de efeitos digitais que, apesar da sua espectacularidade, é já habitual em muitos eventos musicais que se realizam por esse mundo fora.


Mas a verdade é que este Festival da Eurovisão deverá mesmo ficará na nossa memória, embora por outras razões, que nos levam a perceber um pouco melhor as circunstâncias que acima refiro. É que, sendo suposto ser um festival de música, a musicalidade não poderia andar mais longe daquele palco europeu. Conta-se que Louis Armstrong costumava dizer que só há dois tipos de música: a boa e a má. Claro que a classificação depende de critérios pessoais, mas há níveis de qualidade tão baixos, tão baixos, que se torna possível uma concordância generalizada. Será, para muitos em que me incluo, o caso deste dito festival de música que não foi mais do que um festival de gritaria. E os cenários espectaculares, as indumentárias ridículas e as afirmações pessoais laterais não servem para mais do que isto: esconder que em vez de um Festival de Música, a Eurovisão nos presenteou apenas com um Festival de Gritaria. Ainda que de carácter popular, houve tempo em que o Festival da Eurovisão era Cultura. Hoje está transformado em mero entretenimento grosseiro, acompanhando a luta comum que interesses comerciais e vanguardas políticas e sociais de braços dados têm promovido contra o Belo e Sensível.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Maio de 2024

Imagens recolhidas na internet

terça-feira, 14 de maio de 2024

EUROPEUS VÃO A VOTOS

 


No próximo dia 9 de Junho os europeus vão a votos para escolher os deputados do Parlamento Europeu. Em Portugal a taxa de abstenção nestas eleições evoluiu de 27,8% em 1987 para 69,3% nas últimas eleições realizadas em 2019. Isto é, nestas últimas, em cada dez eleitores apenas votaram três.

Dir-se-ia que os portugueses, ou não se sentem europeus, ou não querem saber da União Europeia para nada. Contudo, em simultâneo, os portugueses contam-se entre os europeus que mais aprovam a participação na União. Um paradoxo dificilmente explicável, a não ser pelo volume de fundos europeus recebidos por Portugal desde a entrada na CEE que ocorreu em 12 de Junho de 1985. Na realidade, entre 1986 e 2022, o nosso país recebeu mais de 157 mil milhões de euros da União Europeia que são facilmente verificáveis em obras públicas e inúmeros melhoramentos assinalados pelas placas obrigatórias por todo o país. E isso os portugueses sabem-no bem! Isto é, olhamos para a União Europeia, não como um projecto político comum, mas sim com um banco onde vamos buscar dinheiro fácil, como aconteceu com o ouro do Brasil há três séculos.

Mas esse dinheiro recebido tem consequências, nem sempre as melhores. Todos sentimos que uma percentagem não negligenciável tem sido gasta em obras de fachada que não introduzem qualquer melhoria concreta na vida colectiva nem, e isso é o essencial, se traduz verdadeiramente num crescimento sustentável da economia e do bem-estar generalizado dos portugueses. Dado que nas obras comparticipadas pela União Europeia uma parte tem de ser assegurada pelos orçamentos nacionais, fácil é concluir pelo desvio de verbas essenciais ao bem-estar colectivo para obras e iniciativas várias que não são reprodutíveis.

Os partidos concorrentes às eleições também não têm ajudado muito. De facto, nos extremos do leque partidário encontramos discursos que, na prática, desligam os eleitores do verdadeiro interesse da União para todos os países membros, incluindo Portugal. À esquerda, os discursos populistas apontam a União Europeia como sendo responsável pelos nossos problemas económicos e financeiros. Na realidade, evoluíram um pouco, já que deixaram de exigir a saída de Portugal da União. Mas continuam a manipular o povo defendendo a saída da moeda única. A entrega ao Banco Central Europeu das competências relativas a políticas monetárias e de juros que são agora comuns aos países do Euro, é apresentada como perda de soberania e origem das nossas dificuldades periódicas, quando se verifica exactamente o contrário. O que seria da nossa economia se não pertencêssemos à moeda única? Em vez de crescimento, que apesar de fraco existe, teríamos pobreza e isolamento: mais orgulhosamente sós! À direita igual populismo tenta ressuscitar um nacionalismo serôdio que explora sentimentos retrógrados. Como se a moeda única e a livre circulação de pessoas e bens fossem algo prejudicial a um país que há séculos estava separado da Europa e que após a perda do Império reencontrou o espaço e os povos que estiveram na sua origem. Basta ler a entrevista ao Observador do cabeça de lista do Chega para se perceber como devemos evitar o populismo da extrema-direita e as suas mais desvairadas teorias da conspiração que fazem lembrar os “protocolos dos sábios de Sião”. Quer à esquerda, quer à direita, os sonhos dos extremos passam por destruir ou enfraquecer por dentro a União Europeia.


Já os partidos situados ao Centro, à esquerda e direita aparecem nestas eleições europeias com propostas muito semelhantes, aceitando e promovendo a participação numa União Europeia cada vez mais aprofundada. O que os separa tem mais a ver com a situação nacional e os seus objectivos a esse nível, não pretendendo enviar para Estrasburgo lutadores contra a União. Mais importante do que transportar para Bruxelas e Estrasburgo os problemas próprios nacionais, o que interessa é perceber que resposta se pretende dar às questões verdadeiramente decisivas para o futuro da União: a agressão russa, o isolacionismo americano e as mudanças climáticas.

A entrada na CEE, agora União Europeia, foi um momento de grande importância para Portugal que assim pertence de pleno direito a um dos blocos políticos e económicos mais avançados do mundo, que permanece firme na defesa da Liberdade, da paz e dos direitos humanos. Isso é bem mais importante do que ser considerada como mero financiador dos nossos investimentos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 Maio 2024

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 6 de maio de 2024

GOVERNO E OPOSIÇÃO TÊM RESPONSABILIDADES


 Passadas que estão as comemorações dos 50 anos sobre o 25 de Abril, regressou a vida habitual e o que os portugueses veem não é bonito de se ver e traz-nos a todos algo perplexos e muito preocupados com o futuro. As eleições de 10 de Março passado traduziram-se numa nova estrutura partidária em que os dois maiores partidos, o PSD e o PS ficaram praticamente empatados, aparecendo um terceiro partido, o Chega, bastante próximo. O estabelecimento de uma maioria obrigaria a que um dos dois maiores se associasse de alguma maneira ao CHEGA, ou que algum tipo de acordo se fizesse entre o PS e o PSD/CDS.

Pelo contrário, o PSD e o CDS formaram Governo minoritário, solução aceite pelo Presidente da República que, ao que se sabe, nem tentou que houvesse pelo menos um acordo parlamentar que assegurasse um mínimo de estabilidade política em matérias essenciais. É possível que tal atitude se deva a um mau momento do Presidente da República cuja autoridade se encontra claramente diminuída, mas a realidade é que estão criadas as condições para que o actual Governo vá encontrar condições muito difíceis para governar normalmente. Tal só será possível caso esteja disponível para negociar todas as decisões que tenham de passar pela Assembleia da República. Será ainda necessário que um dos dois partidos maiores da oposição, ou ambos, se abstenham de criar um permanente obstáculo à governação e ainda de tomar a iniciativa de propor e aprovar decisões contrárias à política governativa. Isto é, será necessário que o Governo possa governar e que o faça e, por outro lado, que os partidos da oposição não cedam à tentação de transformar o Parlamento em entidade governativa em vez de fiscalizar a actividade do Governo, como estipula a Constituição.

Durante o período comemorativo do 25 de Abril, pudemos ouvir, e bem, que se deve defender a Liberdade e a Democracia todos os dias, que nunca se devem ter como garantidas. Para tal, o primeiro dever dos líderes políticos deve ser evitar a irresponsabilidade e o populismo. No entanto, o que todos vemos é o contrário, numa demonstração evidente do “faz o que eu digo e não o que eu faço”. A aprovação do fim das portagens nas ex-SCUTS na Assembleia da República pelo Chega e pelo PS é disso prova evidente. Um partido diz que essa medida constava do seu programa eleitoral o que não faz sentido, porque não é governo. O outro segue a sua política populista e irresponsável de terra queimada ao prometer tudo a todos em simultâneo, sem cuidar minimamente das condições financeiras do país.

Tudo indica que, 50 anos depois da instauração da Democracia, nos voltamos a aproximar perigosamente do que se passou na primeira República. O interesse nacional é esquecido em função dos interesses eleitorais imediatos dos partidos. Os fundamentos da Democracia poderão ser minados através de uma utilização egoísta dos meios proporcionados por essa mesma democracia, como infelizmente a História nos ensina com demasiados exemplos.


Perante este cenário o Senhor Presidente da República pode vir a ter de tomar decisões difíceis e importantes a curto prazo. No jantar com os correspondentes estrangeiros as referências que fez ao actual e ao ex-Primeiro Ministro bem como à Procuradora-Geral da República e às reparações históricas foram no mínimo infelizes, mas situam-se na área da política. Já a referência às suas relações familiares revestiu-se de um carácter completamente diferente. E o carácter dessa referência poderá ter minado a confiança de grande parte dos portugueses no Presidente da República de uma forma possivelmente irreversível. O que não deixará de ter consequências na relação dos portugueses com a instituição da Presidência da República criando um ambiente político degradado.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Maio de 2024

Imagens retiradas da internet