No dia 20 de Maio de 1449, passaram há pouco 575 anos sobre essa data fatídica, aconteceram os factos que para a História ficaram conhecidos como Batalha de Alfarrobeira. Na realidade, tratou-se mais de uma emboscada que teve como objectivo conseguido, eliminar o Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra.
Esta crónica cumpre de novo um dever pessoal assumido de relembrar a figura histórica do primeiro Duque de Coimbra, figura ímpar na Cultura portuguesa e europeia do seu tempo.
Dom Pedro pertencia àquela que Camões chamou Ínclita Geração, os seis filhos do Rei D. João I (o de Boa Memória) e Filipa de Lencastre que chegaram à idade adulta. Era o segundo mais velho destes seis, depois de Dom Duarte que, por ser o mais velho, foi Rei de Portugal.
Dom Pedro, tal como os seus irmãos, foi privilegiado com uma educação esmerada, fruto da experiência de sua mãe, vinda da mais alta aristocracia inglesa. A escolha do matrimónio de D. João I foi, como era costume na época, fruto de uma cuidadosa análise política em função dos interesses de Portugal, numa época em que um relacionamento ibérico era ainda impossível. Mas em boa hora a escolha recaiu em D. Filipa de Lencastre que, além da aliança que ainda hoje é a mais antiga do mundo, trouxe hábitos sociais e culturais sofisticados pouco usuais na corte portuguesa, até então.
Na sequência da sua actuação na conquista de Ceuta Dom Pedro foi recompensado com o ducado de Coimbra e ainda com os senhorios de Montemor-o-Velho e Aveiro. As suas viagens pela Europa durante três anos entre 1425 e 1428 tornaram-no conhecido como “Príncipe das Sete Partidas”. Começou a sua viagem por Inglaterra onde foi agraciado com a Ordem da Jarreteira, passando depois pela Flandres de onde remeteu a seu irmão D. Duarte famosa “carta de Bruges” com conselhos para a governação do país que ainda hoje surpreendem pela acuidade, conhecimentos e superior formação política em função do que hoje chamamos interesse público. Visitou o túmulo dos Reis Magos em Colónia e ao lado do imperador Segismundo da Hungria lutou contra os Turcos e recebeu a marca de Treviso. Percorreu a Itália e as principais cidades desde Veneza a Roma, travando conhecimento com altas personalidades como o Papa Martinho V. No fim das suas viagens atravessou a Península Ibérica e exerceu diplomacia em vários reinos
Muito importante, trouxe para Portugal algo que nas décadas seguintes seria de capital importância para Portugal: o livro de Marco Polo e um mapa-múndi com as rotas comerciais entre a Europa e o Oriente. E, de facto, o Duque de Coimbra veio a ser decisivo na gesta portuguesa dos descobrimentos, em alternativa à continuação das conquistas militares no Norte de África. No seu “Tratado da Virtuosa Benfeitoria” o Infante D. Pedro desenvolveu teoricamente o que na prática havia sucedido com a eleição de seu Pai como Rei nas Cortes de Coimbra, considerando o Poder real como sendo uma emanação da vontade popular.
O Infante Dom Pedro teve oportunidade de levar à prática as suas ideias inovadoras de organização do Reino durante o período em que foi Regente entre a morte de seu irmão D. Duarte e a maioridade de D. Afonso V, o que significou retirar poder à grande nobreza, o que teve como efeito suscitar a sua violenta oposição. Essa oposição veio a traduzir-se em praticamente uma guerra civil sendo o principal inimigo do Duque de Coimbra o seu meio-irmão Afonso, filho de D. João I nascido antes do seu casamento com D. Filipa. Dom Afonso, que tinha sido feito Duque de Bragança precisamente pelo Infante Dom Pedro durante a sua Regência. Tendo o Rei D. Afonso V acedido às vontades do Duque de Bragança, Dom Pedro e os seus homens foram recebidos às portas de Lisboa por um exército, do que resultou a morte do Duque de Coimbra e dos seus principais apoiantes. O sistema feudal regressava assim com toda a força, só vindo a ser ultrapassado pelas novas ideias no reinado de Dom João II, o chamado Príncipe Perfeito, ele próprio filho de D. Afonso V e neto por via materna de Dom Pedro, Duque de Coimbra.
A nossa Cidade continua a esquecer deliberadamente os maiores da sua História, com o Duque de Coimbra Dom Pedro à cabeça. É difícil entender esta situação quando Dom Pedro é uma figura ímpar na nossa História, que ultrapassou largamente a sua condição de nascimento dos pontos de vista cultural e político. Foi um homem largamente à frente do seu tempo, tendo por isso mesmo sido vítima da habitual inveja e atraso nacionais. A sua vida constitui um exemplo, a louvar e relembrar principalmente num tempo com tanta falta de símbolos verdadeiros de honradez, justiça e verdade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Maio de 2024
Imagem retirada da internet
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