quinta-feira, 27 de junho de 2024

COIMBRA: QUESTÕES DE ACESSIBILIDADE


 Como consequência das obras de instalação da rede de Metrobus os conimbricenses estão a sentir, desde há mais de dois anos, sérios problemas na sua mobilidade dentro da Cidade. E vão continuar a sentir, já que o atraso das obras, em particular da chamada Linha do Hospital consignada em 22 de Julho de 2022 com um prazo de execução de 18 meses, é considerável não sendo pessimista esperar que não estejam terminados durante o ano de 2025. As razões serão compreensíveis, mas todos nós, cidadãos comuns, podemos constatar que o plano de trabalhos não estará a ser cumprido, detectando-se numerosas frentes de obras que ficam por terminar, enquanto outras têm início. Um aspecto ficou evidente: nos dois meses que antecederam as comemorações do 25 de Abril largas dezenas de trabalhadores afadigaram-se junto ao Estádio para completar os acessos à futura estação, para logo depois as obras confinantes entrarem num regime completamente diverso, estando ainda hoje por concluir.

O leitor não se iluda, estas obras são importantíssimas para a Cidade e abrangem uma pesada renovação de infraestruturas que necessitavam de ser substituídas, nomeadamente as redes de águas e de saneamento das vias que vão suportar o novo sistema de mobilidade. O problema aqui está nos atrasos que se verificam genericamente por toda a Cidade.

Quando o novo sistema estiver em funcionamento a mobilidade urbana ficará extraordinariamente beneficiada, em particular nas proximidades da rede do Metrobus, diminuindo ainda a procura de estacionamento em zonas hoje completamente caóticas no que respeita a esse aspecto e estou a lembrar-me da zona dos HUC, o que em muito irá melhorar a qualidade de vida urbana. Não estou tão convencido quanto ao benefício dos moradores dos concelhos de Miranda do Corvo e da Lousã, relativamente à antiga infraestrutura ferroviária, mas não vale a pena chover no molhado perante tudo o que se passou, entretanto, e que nos envergonha a todos. E perante a situação existente desde o fecho da antiga Linha da Lousã, todos acabam por ficar a ganhar.


Mas se esta intervenção viária, cuja ideia inicial data de 1991 está finalmente em curso, outras há de que Coimbra está dependente para as quais todos os conimbricenses deverão estar alertados.

Uma delas tem a ver com chamada linha de alta velocidade ferroviária. Ouvimos falar de abertura de concursos para alguns troços, mesmo na nossa região e devemos estar preocupados com a falta de informação sobre o assunto no que respeita a Coimbra. De facto, está prevista a construção de um “by-pass” que servirá Coimbra com alguns comboios de alta velocidade na chamada Estação Velha renovada. O sistema contempla quatro linhas, isto é a duplicação das existentes entre dois locais da futura linha de alta velocidade em que toca a actual Linha do Norte algures perto de Soure a Sul e da Pampilhosa a Norte. Mas o que não sabemos é algo de crucial: está garantida junto da IP a simultaneidade da construção da linha de alta velocidade e do “by-pass” de Coimbra? Quantos comboios de alta velocidade irão passar diariamente por Coimbra? Há alguma garantia concreta quanto a estes aspectos essenciais para a nossa Cidade? A transparência em grandes obras estruturantes é absolutamente essencial.

A localização central de Coimbra é uma vantagem natural garantida desde logo pela geografia. Mas a verdade é que essa vantagem não se traduz nas ligações rodoviárias com o interior beirão, ao contrário do que se passa com muitas outras cidades nacionais, o que se traduz em desvantagem competitiva. Basta lembrar como a A13 ficou “pendurada” em Ceira, não se ouvindo falar na sua conclusão até ao IP3. Por falar em IP3, é absolutamente lamentável que essa estrada perigosíssima que liga Coimbra a Viseu, toda ela um ponto negro, ainda não tenha sido substituída por uma auto-estrada segura. Tal como por terminar está o IC6 até à Covilhã, falando-se agora de elaborar o projecto da travessia do concelho de Oliveira do Hospital como se de grande coisa se tratasse. Se o ridículo matasse, muita gente já cá não estaria.

Com todos estes exemplos não pretendo senão chamar a atenção para assuntos que deveriam andar permanentemente em discussão no espaço público, para além dos gabinetes ministeriais e autárquicos, porque estrategicamente fundamentais para Coimbra e o seu futuro.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  24 de Junho de 2024

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 17 de junho de 2024

COIMBRA A NÃO GOSTAR DE SI MESMA

 


Na semana passada passaram 300 anos sobre o nascimento, em Coimbra, de Carlos Seixas. É quase certo que muitos conimbricenses que não tenham um gosto ou interesse pessoal pela área de actividade em que se distinguiu Carlos Seixas não tenham dado pela efeméride. E, no entanto, Carlos Seixas é considerado um dos maiores compositores portugueses de música erudita, dentro do género Barroco, aquele que se praticava durante a época em que viveu, isto é, o sec. XVIII. Além de um compositor excepcional que criou um estilo próprio, foi também um executante virtuoso no órgão e no cravo, razão por que muito novo foi para Lisboa onde foi organista da Sé Patriarcal e da Capela Real. Mas nem por isso se deu conta na nossa Cidade de qualquer actividade cultural refente a Carlos Seixas e à sua obra. Vá lá que, por enquanto, há uma rua com alguma dimensão que leva o seu nome, mas provavelmente a maioria dos seus moradores não será capaz de dar qualquer informação sobre quem foi Carlos Seixas. E nem sequer é da sua responsabilidade que tal suceda. Se as instituições educativas e as elites e responsáveis culturais não se preocupam com a divulgação e promoção do que de excelente tem a nossa História, quem o fará?

Será uma característica da nossa Cidade: toda a gente refere genericamente gostar muito da Cidade, considerando-a mesmo superior a muitas outras que trata até com um certo desdém. Mas costuma dizer-se que o diabo está sempre nos detalhes e é aí no concreto da realidade que a coisa fica diferente. Esquecemo-nos frequentemente de cuidar de nós e do que é nosso, que tantas vezes não fica a dever nada ao que trazemos de fora, que consideramos superior só porque vem de Lisboa ou do Porto, curvando-nos muitas vezes a outros interesses que tantas vezes nos são desfavoráveis. E demasiadas vezes atacamos mesmo quem por cá tenta fazer o melhor, apenas por motivos políticos partidários ou mesmo invejas pessoais.

No passado dia 10 de Junho comemorou-se, como é habitual, o chamado “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”.

Como este ano passam 500 anos sobre o nascimento de Luís de Camões e temos comemorações da efeméride durante dois anos, que não podemos fazer a coisa por menos, pelos vistos temos mesmo necessidade de prolongar comemorações. E ainda bem já que, enquanto celebramos datas do passado, nos esquecemos do resto o mesmo é dizer da realidade presente.


E as comemorações dos 500 anos de Camões tiveram início em Coimbra com cerimónias na Universidade, incluindo sessão solene com presença do Presidente da República e concerto musical nos Gerais, com direito a transmissões televisivas em directo. Só que, mais uma vez, o espectáculo musical, programado e realizado em Coimbra, não contemplou a Orquestra Clássica do Centro, que é da nossa Cidade e da qual tem todas as razões para se orgulhar, pela sua excelência. Por isso mesmo a devia apresentar sempre que possível, mas, antes pelo contrário, de novo se contrataram outros músicos para a performance. Temos mesmo complexos estranhos que nos impedem de ver o melhor que temos.

De novo, e lamentavelmente, Coimbra a não gostar de si própria. Quando é que mudaremos de destino?

Publicado no Diário de Coimbra em 17 de Junho de 2024

Imagens recolhidas na internet

terça-feira, 11 de junho de 2024

ANTES VERMELHOS QUE MORTOS

 


Esta era a frase gritada por estudantes universitários em Berlim ocidental no início dos anos oitenta do século passado quando, perante a ameaça dos mísseis SS20 apontados ao ocidente colocados por Moscovo na Europa de Leste, os americanos responderam com a colocação de mísseis Pershing na Europa ocidental virados a leste. O contexto já pertence à História, dado que poucos anos depois a URSS implodiria e com ela o mundo comunista com o seu modelo social e político. Era um grito de certo modo pacifista que contemporizava com quem desde sempre tentava forçar a sua vontade, no caso o império russo, na altura dito soviético. Por cá também havia quem defendesse o mesmo, com um Conselho para a Paz e Cooperação sempre na vanguarda, na realidade mais um organismo teleguiado a partir de Moscovo.

Há pouco menos de cem anos Hitler atirou as condições do Tratado de Versalhes para o caixote do lixo e rearmou a Alemanha iniciando uma série de invasões de países vizinhos perante a complacência dos líderes dos restantes países. Mesmo depois dessas ditas anexações os líderes dos países democráticos de tudo tentaram para acalmar os ímpetos agressivos do regime nazi desde tentativas de pedir a intermediação de Mussolini até à conferência de Munique de Setembro de1938 visando o “apaziguamento” de Hitler. Em Agosto de 1939 até mesmo Estaline estabeleceu um pacto de não agressão entre a Alemanha Nazi e a URSS o conhecido Pacto Molotov-Ribbentrop. A invasão da Polónia aconteceu logo em 1 de Setembro de 1939, iniciando-se aí a hecatombe trágica da Segunda Guerra Mundial, com a declaração de guerra à Alemanha pela Grã Bretanha e pela França a ter lugar dois dias depois. Acabava aí a discussão sobre as intenções de Hitler e sobre se seria mais vantajoso para o mundo ceder às suas pretensões evitando uma guerra generalizada.

Em 22 de Fevereiro de 2022 a Rússia invadiu a Ucrânia numa guerra que continua mais de dois anos depois. Esta acção militar seguiu-se à conquista militar de duas províncias ucranianas e da península da Crimeia que ocorreram em Março de 2014. Nessa altura o Ocidente balbuciou uns protestos, mas Putin levou a sua avante sem problemas de maior, utilizando pretextos em tudo semelhantes aos de Hitler nas suas acções imediatamente anteriores à invasão da Polónia. Nesta nova “operação militar” como Putin começou por lhe chamar, o exército russo dirigiu-se directamente à capital ucraniana mas, de alguma forma, o exército ucraniano conseguiu travar essa gigantesca coluna russa obrigando-a a dar meia volta e regressar ao exterior das fronteiras ucranianas. Desde então Putin iniciou uma guerra generalizada de conquista de território ucraniano, estilhaçando todas as regras internacionais relativas à guerra e nomeadamente de protecção de populações civis. Um exemplo: a táctica mais recente consiste em bombardear instalações civis, provocando a deslocação para o local de bombeiros, médicos e enfermeiros, para meia-hora depois bombardear o mesmo local atingindo directamente as forças de socorro.

Entretanto, aparecem aqui e ali, propostas de negociação de termos de paz imediata. Claro que, enquanto decorre uma guerra de invasão a um país soberano, estas propostas equivalem a um reconhecimento de derrota por parte da Ucrânia. Como acontecia com Hitler, tentar apaziguar Putin desta maneira não teria outro efeito senão dar-lhe força para continuar sua estratégia imperial de conquista de países que ele considera que nunca deveriam ter saído da esfera russa. Putin tem de ser parado na Ucrânia e, ao contrário do que proclamam de novo os falsos “pacifistas”, só a derrota russa na Ucrânia poderá impedir uma nova guerra europeia generalizada com todas as consequências que traria.


 Putin assume que rejeita a ordem internacional baseada em princípios liberais e acordos internacionais essencialmente saída da II Guerra Mundial por outra que todos percebemos ser exactamente o contrário, orientada por ditaduras. Os próximos tempos vão ser perigosos porque, para se defender, a Ucrânia tem absoluta necessidade de responder aos ataques russos de onde eles são lançados, isto é, de território russo. O Ocidente tem de se manter firme no apoio à Ucrânia incluindo desmascarar os falsos “pacifistas” que por aí andam, mesmo entre nós. Porque todos estamos em perigo, na mira das armas de Putin, não duvidemos disso.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Junho de 2024

Imagens retiradas da internet

segunda-feira, 3 de junho de 2024

POPULISMOS

 


Há poucos dias a campanha eleitoral em curso para o Parlamento Europeu produziu mais uma das muitas afirmações populistas em que tem sido pródiga. Alguns dos partidos concorrentes, já nem sei quais, mas da esquerda e da direita, propuseram um ordenado mínimo igual para todos os países da União. Não sei mesmo se os proponentes se apercebem do que estão a propor, acredito que não, estão apenas a competir para conquistar o primeiro lugar num patético campeonato de populismo. Na realidade, atingir um tal desiderato só seria possível com um extremo aprofundamento da integração económica e financeira na direção do federalismo europeu, algo que estará certamente nos antípodas da vontade dos seus proponentes. Acresce que, se em Portugal o ordenado mínimo anda por pouco mais de 800 euros, países europeus há em que o seu valor é superior a 2.400 euros. Como nenhum país iria aceitar diminuir o valor do seu ordenado mínimo, para ser comum em toda a União esse seria também o valor em Portugal, país em que o ordenado médio anda pelos 1.310 euros. Fácil se torna verificar a tontice da proposta, mas a verdade é que foi feita.

O populismo não é um fenómeno dos dias de hoje, mas parece ter ganhado asas, talvez com a actual facilidade de comunicação proporcionada pelos novos meios cibernéticos.

O populismo é partilhado pela esquerda e pela direita, havendo sinais da sua prática por todos os partidos, mas constitui a própria base do discurso em partidos localizados nos extremos do leque político. As consequências da governação populista são bem conhecidas. Desde meados do sec. XX que as américas central e do sul se tornaram em exemplos dos resultados do populismo levado à governação, alternando mesmo entre líderes populistas de esquerda e direita. Os resultados são facilmente visíveis, sendo paradigmático o exemplo da Argentina, um dos cinco países mais ricos do mundo há cem anos, mas que vegeta hoje numa penúria triste e desconsolada como resultado de políticas populistas, no caso chamadas justicialistas.


Há cem anos, os outros partidos dos extremos eram os partidos “revolucionários” que adoptavam uma filosofia abrangente que tudo explicava e que proporcionaria uma solução global e “justa” para os problemas da sociedade, hoje praticamente desaparecidos. Os de direita incluindo nazi e fascistas, foram derrotados numa trágica guerra mundial. Os de esquerda subsistiram à sombra do império russo/soviético e os que resistiram ao desaparecimento da URSS tiveram que se “democratizar” integrando-se naquilo a que chamavam “democracia burguesa” e sujeitando-se às suas regras. É o caso do “nosso” partido Comunista que se viu obrigado a abandonar a conquista do poder pela via revolucionária, sendo hoje um partido perfeitamente integrado no sistema democrático.

Mas o populismo continua bem vivo, como vemos nesta campanha eleitoral. Como o termo “fascista” ficou desgastado ao longo dos anos pela sua utilização abusiva pela esquerda sobre tudo o que fosse de direita, o partido actualmente mais à direita, o Chega, é normalmente classificado como sendo da “direita populista”. E o facto é que este partido, que conquistou 50 lugares na Assembleia da República, é inteiramente populista, não se lhe conhecendo qualquer ideologia política nem respostas concretas para os problemas nacionais. Embora não devamos esquecer que, para pagar o acréscimo de despesa pública que propõe, não se tenha lembrado de outra solução senão que taxar as grandes empresas, incluindo a banca, pelos seus “lucros excessivos”. Curiosamente, ou talvez não, exactamente a solução preferida pelo Bloco de Esquerda para os mesmos problemas. Como se costuma dizer, os extremos tocam-se e não é raro que o façam! Até no uso mais descarado de um populismo sem limites. O que me parece deveria ser um critério básico de rejeição de qualquer partido, pela falta de respeito que mostra pelos eleitores.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Junho de 2024

Imagens retiradas da internet