O título da crónica foi-me sugerido pela recente visita de Putin à Coreia do Norte. Na realidade, em vez de Putin podia ter escrito Kim Jong-un com o resto do título semelhante porque, com a sua acção dos últimos vinte anos, Putin já atingiu o patamar que era quase exclusivo do líder norte-coreano na cena internacional.
Kim Jong-un é o exemplo acabado da contradição em política. Lidera com pulso de ferro um dos poucos regimes comunistas do mundo, mas na realidade representa a terceira geração de uma dinastia do tipo monárquico. De facto, sucedeu na chefia do partido e do Estado a seu pai Kim Jong-il falecido em 2011 o qual, por sua vez, havia sucedido a seu pai Kim Il-sung em 1992.
O regime da Coreia da Norte existe desde a guerra da Coreia entre 1950 e 1953 que se iniciou precisamente com a invasão do Sul pela Coreia do Norte comunista liderada por Kim Il-sung. A guerra terminou sem qualquer tratado de paz através da constituição de uma zona desmilitarizada sobre o famoso Paralelo 38. Enquanto a Coreia do Sul se desenvolveu e é hoje uma economia rica e hiper-sofisticada, a Coreia do Norte continuou a ser uma economia paupérrima totalmente dependente do Estado e do Partido, onde frequentemente se morre à fome, dado que a preocupação fundamental assumida pelo Estado consiste numas Forças Armadas gigantescas dotadas, elas sim, de equipamento bastante moderno, incluindo capacidade nuclear.
Foi este país que Putin foi agora visitar, acabando por com ele estabelecer um acordo de parceria que é uma verdadeira aliança. O líder comunista norte-coreano é conhecido pelos seus gostos burgueses de que os carros topo-de-gama que é visto frequentemente a conduzir são apenas um dos muitos exemplos possíveis de apontar. É também conhecido pelas execuções de “inimigos”, inclusivamente familiares, levadas a cabo com requintes de selvajaria e extrema barbaridade. Mas Kim Jong-un tem, é claro, atitudes muito apreciadas pelo líder russo que justificam esta viagem e todo o afecto político de que se revestiu. É que Kim Jung-un é praticamente o único líder político mundial em funções que assume o apoio, a cem por cento, à guerra de agressão que Putin está a levar a cabo na Ucrânia, para a qual não se vê um fim. E Putin necessita de toda a ajuda possível, principalmente em fornecimento de armamento, o que Jong-un lhe presta de bom grado, já que material de guerra é coisa que não lhe falta e a sua troca por energia, por exemplo, é algo que lhe convém sobremaneira, sendo o seu país a miséria que é.
Tudo para que Putin continue a sua guerra ao Ocidente e ao nosso estilo de vida liberal e respeitador das regras internacionais. Na realidade, os únicos argumentos de Putin para invadir a Ucrânia que poderiam ter alguma credibilidade caso tivessem alguma adesão à realidade são ter sido provocado pela NATO e pela UE. Claro que são uma falsidade absoluta já que, antes pelo contrário, é a Federação Russa que sob a liderança de Putin tem uma atitude verdadeiramente imperialista que põe em perigo os seus países vizinhos e toda uma Europa que se desmilitarizou confiante em anos de paz e prosperidade.
Por isso mesmo faz todo o sentido relembrar o que se passou há pouco mais de oitenta anos, como se fez há pouco nas celebrações do desembarque aliado na Normandia em 6 de Junho de 1944 em que tantos homens deram a vida para que a Liberdade fosse uma realidade numa Europa fustigada pela opressão e pela tirania do nazi-fascismo.
A Europa sente de novo os ventos que trazem o cheiro da pólvora. A aliança dita “de defesa” entre dois estados com líderes agressivos não vem trazer pacificação. Com o seu velho aliado americano obrigado a escolher entre um psicopata e um velho senil e com os extremismos internos a substituir as velhas forças centristas, a Europa está num momento muito difícil que exige reformas profundas e difíceis.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Julho de 2024
Imagens recolhidas na internet
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