Na semana passada o Presidente da República promulgou dez diplomas de uma assentada. Entre eles, os aprovados pelas oposições na Assembleia da República referentes a descida do IRS até ao 6º escalão e eliminação das portagens em ex-SCUT no interior e do Algarve. Contrariamente ao que muitos esperariam, o Presidente não pediu a fiscalização sucessiva de nenhum dos diplomas, apesar de num dos casos implicar redução de receita e no outro, aumento de despesa. Na realidade, todas as discussões políticas que houve sobre o assunto não foram mais do que cortinas de fumo para esconder vontades e objectivos muito diversos do que parecia à primeira vista, visando apenas obter ganhos e simpatias junto de sectores específicos, pela parte do PS e do PSD, já que os outros partidos correm em pistas diferentes. Como já perceberam que os portugueses nem querem ouvir falar de eleições nos próximos tempos, o fundamental é criar condições para que o Orçamento para 2025 seja aprovado deixando as discussões para minudências que em nada contribuem para a melhoria da vida dos portugueses, mas enchem os jornais.
Entretanto vamos assistindo nas televisões às penosas sessões da CPI do caso das gémeas que já todos perceberam ser uma manipulação do partido Chega com dois objectivos específicos que se resumem no seu lema eleitoral: “vamos limpar Portugal”. E assim se descredibilizam de caminho dois Órgãos de Soberania democráticos, a saber a Assembleia da República e o Presidente da República. Está à vista de todos e só não vê quem não quer ver.
A política está a transformar-se num jogo de enganos e de pura caça eleitoral. Em vez de ir aos problemas profundos que têm sido criados pelos erros governativos sucessivos de governantes impreparados que só veem o imediato, tenta-se apenas dar aspirinas em vez de tratar as causas. A emigração permanente de jovens preparados academicamente é um sinal e uma consequência de más políticas económicas de anos que aproximam o ordenado mínimo do vencimento médio e cortam justos anseios dos jovens, muitos deles com formação superior. Com a justificação de lutar contra esta situação o Governo tem intenção de criar um IRS mais baixo para jovens com menos de 35 anos, o que me parece completamente errado por vários motivos. O primeiro é de justiça fiscal: o critério da idade não deve sobrepor-se ao critério geral que é o do rendimento obtido pelo trabalho. Ao abrir-se este caminho porque não estabelecer uma taxa específica para gordos ou para magros? Ou para brancos ou para pretos? Ou para heterossexuais ou para homossexuais? Posso desenvolver justificações para qualquer um! Em vez de se ir às causas da emigração e favorecer respostas na oferta de trabalho na economia real vai-se pelo caminho que seduz eleitoralmente e que outros sectores sociais irão pagar. Outra medida supostamente de apoio aos jovens traduz-se em ajuda na compra de casa com isenção de IMT ou complemento de financiamento bancário apoiado pelo Estado. Em vez de se apoiar o arrendamento favorecendo o desenvolvimento desse mercado, continua-se com a política disparatada de apoio na compra de casa, erro com dezenas de anos que faz de Portugal um dos países europeus com maior posse de casas versus arrendamento. Claro que o negócio dos bancos é esse mesmo, mas socialmente está errado. As famílias ficam amarradas àquela casa pela qual ficam dependentes do banco durante dezenas de anos, prejudicando a sua mobilidade e a procura de emprego noutra cidade, algo que justifica muita da degradação social a que temos assistido nas últimas décadas.
O PS e o PSD estão atados um ao outro nesta situação, mais parecendo dois bailarinos que vão dançando um com o outro enquanto um deles não cai de cansaço. A discussão patética sobre a data de entrada em vigor da descida do IRS com o Presidente da República a meter-se no assunto é isso mesmo: uma discussão programada para português ver. Viabilizando o OGE o PS, por esta vez, terá oportunidade para fugir às acusações de convergência legislativa com o CHEGA para fazer a vida do Governo ainda mais difícil como tem sucedido vezes demais para ser coincidência. Esperemos que o mesmo venha a acontecer noutras situações verdadeiramente importantes, como a reforma da Justiça, agora que António Costa está placidamente na sua sinecura europeia e já não diz que as reformas estruturais lhe fazem pele de galinha.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Julho de 2024
Imagens retiradas da internet
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