terça-feira, 27 de agosto de 2024

PALESTINA: A GUERRA SEM FIM

 


Em Agosto de 1929 os muçulmanos atacaram o bairro judeu de Jerusalém, mutilando e matando os judeus que encontraram. Foi o início de massacres que duraram vários dias e se estenderam a cidades vizinhas, tendo-se praticado atrocidades horrorosas, incluindo decapitação de crianças. No fim, contaram-se algumas centenas de mortos, judeus e árabes. Por respeito aos leitores dispenso-me de descrever os horrores praticados pelos muçulmanos, de acordo com relatórios feitos na altura.

Em 7 de Outubro de 2023, quase cem anos depois destes acontecimentos, palestinianos pertencentes ao grupo terrorista Hamas saíram da faixa de Gaza e atacaram civis israelitas que estavam nas suas casas e a participar num festival de música. O ataque saldou-se por mais de mil mortos, muitos deles com os mesmos requintes de sadismo de há cem anos e ainda pelo rapto de quase 200 pessoas levadas à força para Gaza.

Há algumas diferenças relativamente aos factos de 1929. Em primeiro lugar, o de 2023 foi longamente planeado e preparado, ao contrário do de há cem anos. Em segundo lugar, o ataque mais recente foi testemunhado praticamente em directo pelo mundo inteiro através dos actuais meios de comunicação. Em terceiro lugar, foram feitos reféns. Em quarto lugar, há cem anos ainda não havia Estado de Israel, sendo o território um protectorado britânico, na sequência da I Grande Guerra e do fim do Império Otomano que antes dominava a zona.

De notar que naquela terra os judeus, até meados do sec. XIX, estavam sob um regime introduzido no sec. VIII chamado “dhimma” segundo o qual eram seres inferiores e só poderiam viver e praticar o culto se aceitassem esse estatuto. A terra chamava-se “Palestinae” desde que o Imperador Adriano riscou a anterior designação “Judeia” na sequência da última revolta judaica violentamente reprimida. A título de curiosidade o nome “Palestina” é da autoria de Heródoto que assim designava os povos que, vindo de barco da Egeia, se instalaram nas costas. Na altura, até Jerusalém viu o seu nome alterado para “Aelia Capitolina” e os judeus foram proibidos de lá habitar. Como se vê, a existência de judeus naquelas terras é de séculos, nunca tendo sido interrompida apesar de tudo o que, entretanto, se passou.

Desta vez Israel decidiu reagir ao ataque de 2023, com o objectivo declarado de destruir o movimento Hamas, para além de recuperar os reféns levados para Gaza. Essa reacção, que se traduziu num ataque do exército israelita à faixa de Gaza mantém-se ainda em actividade. A acção militar provocou a deslocação de centenas de milhares de habitantes da Faixa que vivem em condições desumanas em campos de refugiados, vendo as suas habitações e cidades serem sistematicamente destruídas pelo exército israelita.

Para além de terroristas do Hamas, há milhares de mortos civis, embora esteja por fazer a contabilidade correcta, dado que os elementos existentes são os dados fornecidos por um dos lados, no caso o Hamas. E não esqueço a eficácia da propaganda palestiniana desde que há uns anos fiquei muito impressionado com uma fotografia de um pai sentado desesperado num passeio com uma criança morta nos braços. Sucede que, poucos dias depois, apareceu um vídeo em que se vê pai e filho irem calmamente embora depois da montagem para a fotografia. E não devo estar sozinho ao detestar ser vítima de propaganda mentirosa, principalmente quendo mexe com os sentimentos.


Israel responde sempre que é atacado, o que não pode deixar de fazer para defender a sua própria existência, reconhecida internacionalmente desde 1948. Pessoalmente recordo as Guerras dos Seis Dias e do Yom Kippur, para além dos outros inúmeros conflitos. Razão por que suspeito que o fim do Hamas ao realizar o ataque de 7 de Outubro era mesmo esse: provocar a reacção. E Israel desta vez excedeu-se claramente não conseguindo atingir os objectivos para além da destruição: o Hamas ainda existe, os palestinianos nunca esquecerão o sucedido e ainda há mais de cem reféns nas mãos do Hamas.

O conflito está agora a passar para um patamar internacional. O Irão, que está por detrás do Hamas, aliou-se à Rússia de Putin e o primeiro-Ministro israelita é um claro aliado de Trump. Sabendo-se do interesse de Putin na eleição de Trump, o destino do mundo está nas mãos dos eleitores americanos.

Nota: os elementos históricos foram recolhidos na obra “As origens do Conflito Isaraelo-Árabe” da autoria de Georges Bensoussan, editado em 2024 pela Guerra e Paz

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Agosto 2024

Imagens recolhidas na internet

A MORTE, COMO SIGNIFICADO DE VIDA

 


Morreu um Amigo. A morte de alguém que nos era querido de alguma forma deixa sempre um espaço vazio dentro de nós. Não haverá mais aquelas conversas ou discussões que nos puxavam pelo que temos de melhor. Dele guardamos aquelas memórias que, de forma quase mágica, ocupam um espaço no nosso interior, espaço em que não podemos tocar, mas que está lá. No caso deste Amigo cuja morte suscitou as linhas desta crónica, há felizmente a possibilidade de revisitar as suas ideias, reflexões e valiosos ensinamentos nas crónicas que nos foi proporcionando ao longo dos anos. Ensinamentos que acrescentaram aos que o Eng. Celestino Quaresma me proporcionou e a muitos colegas nas suas aulas excelentes de Resistência dos Materiais no curso de Engenharia Civil. Sei que não estou sozinho, muito longe disso, ao recordar e homenagear intimamente o antigo professor e amigo e colega de dezenas de anos. Por tudo o que nos deu, obrigado, Eng. Quaresma.

Escrevo “morreu” porque quero dizer isso mesmo: morreu. Atualmente lê-se quase sempre que “passou para o além”, “partiu” ou, diz-se de forma talvez mais poética e fofinha, que “nasceu mais uma estrela”. Tentando, com alguma ingenuidade ou incapacidade de aceitar a realidade, esconder algo que, mais cedo o mais tarde, nos sucederá a todos. A nossa sociedade sofisticada pretende, de forma artificializada, eliminar a morte dos nossos olhos, havendo mesmo quem defenda que as crianças devem ser afastadas desses acontecimentos para não ficarem perturbadas. Acontece que a morte é a última consequência do que que acontece no início da vida de um novo ser que, com sorte, nascerá, crescerá, terá a sua vida própria e dará origem a novos seres semelhantes, mas sempre diferentes, que assegurarão a continuidade da espécie. A morte é de tal forma importante nas nossas vidas que levou desde muito cedo desde as mais antigas civilizações humanas a pensar no que se lhe seguirá, originando as crenças religiosas na vida para além dela. Felizes são aqueles que, tendo Fé, acreditam numa nova vida para além da morte física.

Quando atingimos uma determinada idade, os nossos pais e restante família da sua geração já morreu, ficando nós na linha da frente para que tal também nos aconteça, dentro da normalidade da substituição das gerações. Trata-se de um período em que, normalmente, passamos a assistir com demasiada frequência à morte de colegas e velhos amigos de infância, o que nos leva obrigatoriamente a pensar na nossa vida e sobre o que nos espera num período que será já de certeza muito mais curto do que os anos que já levamos.


A certa altura da vida entra-se num período mais descansado, com uma passagem do tempo mais fluida, mas em que, curiosamente, os dias, as semanas e os meses se sucedem a um ritmo cada vez mais vertiginoso. O oposto exacto do que sucedia na nossa juventude em que o tempo parecia passar lentamente, tendo nós pela frente todo o tempo do mundo. E é olhando para os filhos e netos que uma compreensão mais completa e perfeita da vida nos faz entender com propriedade o que verdadeiramente importa. E, claramente, não são os bens materiais que de alguma maneira nos rodeiam sempre ao fim de tantos anos, mas aquilo que tivermos sido capazes de transmitir, em particular os valores, tal como algum amor que tivermos dado aos mais próximos, em cada momento. Se tivermos sido capazes de o fazer, esse será o melhor legado que deixaremos aos que ficam: uma memória de felicidade que não nos deixará no esquecimento.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  19 de Agosto de 2024

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

SERÁ APENAS NO REINO UNIDO?


Em 4 de Junho de 1940 o primeiro-ministro britânico Winston Churchill pronunciou um discurso de que cito uma parte: “We shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender”. A parte que ficou mais famosa foi mesmo: “Nunca nos renderemos”.

E os britânicos daquele tempo não se renderam mesmo. Recordo o que se passava na Europa na altura do discurso: Em 1 de Setembro de 1939 as tropas de Hitler invadiram a Polónia após o que O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha. Em 10 de Maio de 1940 a Alemanha iniciou a sua conquista a Ocidente, conquistando sucessivamente a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo. Nesta “guerra relâmpago” seguiu-se a França que se rendeu em 25 de Junho. As tropas francesas e britânicas foram cercadas nas praias de Dunquerque, tendo os britânicos montado uma impressionante operação de salvamento que pode ser vista no filme que leva o mesmo nome que permitiu, para grande ira de Hitler, a evacuação para a Grã-Bretanha de mais de 300.000 soldados.

Foi no contexto do êxito desta operação que Churchill fez aquele célebre discurso. A partir daquele momento o Reino Unido agigantou-se na História ao ficar completamente sozinho frente à besta nazi. Recordo que a Alemanha e a União Soviética tinham assinado em Agosto de 1939 um pacto de não-agressão, o famoso Pacto Molotov-Ribbentrop pelo qual a Polónia foi dividida pelos dois estados, o qual só seria rasgado em Junho de 1941 com a invasão alemã da União Soviética.

O Reino Unido esteve mesmo sozinho perante a barbárie que ameaçava formar o Reich de mil anos em toda a Europa. Nunca agradeceremos demais o heróico esforço britânico desse tempo. Claro que a liderança foi muito importante, mas a coragem e a determinação então evidenciadas pelo povo britânico foram impressionantes.

É por isso que se torna difícil de compreender o que se tem passado nas ruas de numerosas cidades do Reino Unido. Milhares de pessoas com comportamentos verdadeiramente bárbaros manifestaram-se contra a presença de imigrantes, nomeadamente de religião muçulmana. A causa imediata apresentada foi o assassínio de três meninas por um rapaz de 17 anos imediatamente apresentado como um refugiado muçulmano recém-chegado ao país. O que, além do mais era mentira, já que nasceu no Reino Unido, sendo filho de imigrantes legais. Impressionante foi ainda ver, no meio dos tumultos, numerosas pessoas a fazer a saudação nazi. No Reino Unido o que, além do mais, é um insulto e desconsideração pela geração britânica dos anos 40 do sec. passado que deu tudo pela Liberdade, parte dela ainda viva.

As manifestações são claramente racistas, mas são a parte visível do iceberg que é um intenso mal-estar social no Reino Unido que vai muito para além da questão da imigração e dos problemas raciais e de integração social. O primeiro sinal terá sido o Brexit que em 2016 deixou muita gente perplexa, incluindo o autor destas linhas. O disparate dessa decisão era tão evidente que só um povo a passar por graves problemas seguiria um populista como Nigel Farage, claramente ao serviço de obscuros interesses anti-europeus e anti-britânicos como é hoje claramente visível.


Trata-se também de uma consequência de fracas lideranças que deixaram o país sem rumo e a população à mercê dos populismos mais descarados e da propagação de notícias falsas pelos meios cibernéticos, mas também pela comunicação social tradicional. Pelo menos desde Tony Blair que o Reino Unido tem escolhido lideranças políticas pouco lúcidas e mesmo patéticas, bastando lembrar os casos de Boris Johnson ou Liz Truss.

Infelizmente esta situação não é exclusiva do Reino Unido já que é notória a incapacidade governativa de muitos líderes europeus, que estão mais interessados nas suas próprias carreiras pessoais e em manter permanentemente bons graus de satisfação imediata em vez de resolver os problemas estruturais. Nos anos 60 e 70 do sec. passado a Europa passou por uma crise política séria que deu origem ao desenvolvimento de organizações terroristas, naquela altura esquerdistas, que foi muito difícil ultrapassar, por vezes pondo mesmo de lado os métodos democráticos. Seria bom que os líderes actuais olhassem para o que se está a passar, evitando o desenvolvimento de uma situação semelhante, agora vinda da extrema-direita.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Agosto de 2024 

Imagens retiradas da internet

 

terça-feira, 6 de agosto de 2024

DESGRAÇAS NA VENEZUELA

 


De todas as diatribes saídas da boca do ainda presidente da Venezuela Nicolás Maduro a seguir às recentes eleições presidenciais, reveladoras de uma mentalidade verdadeiramente fascista houve, no entanto, uma que me deixou estarrecido e que não tem sido devidamente tratada pela comunicação social. Maduro anunciou a actualização de um site governamental destinado a facilitar a denúncia anónima dos “inimigos” do seu regime (todos os que se manifestam) para que sejam presos. A cereja em cima do bolo do chamado “socialismo bolivariano”. Depois de dominar a máquina judiciária da base ao topo do supremo, tal como a procuradoria; depois de dominar as forças de segurança a que juntou umas célebres e temidas milícias paramilitares; depois de dominar uma boa parte das Forças Armadas, só faltava mesmo convidar os seus seguidores a denunciar os opositores de forma anónima. À desgraça económico-financeira em que colocou um dos mais ricos países sul-americanos, o regime Chavez/Maduro juntou a ditadura mais abjecta, que já provocou a emigração de vários milhões de venezuelanos que não encontram outra solução para as suas vidas. Só para se ter uma ideia, um dos países mais ricos em petróleo do mundo tem um ordenado mínimo mensal de 4 euros! Para além das perseguições percebe-se bem porque quase um quarto dos venezuelanos já fugiu do país.

O regime a que actualmente preside Maduro teve início com Hugo Chavez um militar que em 1992 tentou um golpe, sem sucesso, com o seu “Movimento Bolivariano Revolucionário-200”. Foi preso mas perdoado mais tarde para, em 1998, ser eleito presidente dando origem ao chamado “socialismo bolivariano”, um regime populista neste caso de esquerda como tantos tem havido na América Latina. Como é costume prometeu, assim ganhando as eleições, atacar os ricos distribuindo riqueza pelo povo. Ao levar a ideologia à prática, distribuiu a riqueza que havia e a que não havia, afastou investidores estrangeiros, nacionalizou a indústria do petróleo e destruiu a economia. Afirmando querer combater a pobreza e a desigualdade, trouxe a pobreza generalizada, como é hábito culpou os estrangeiros do sucedido e iniciou uma ditadura apoiada pelas forças armadas. Chavez morreu em 2013 tendo-lhe sucedido Nicolás Maduro, um antigo motorista de autocarros, aliado de Chávez que o levou para o seu governo. Nas eleições seguintes realizadas em 2018 Maduro foi reeleito, mas já nessa altura os resultados eleitorais foram muito contestados.

Nas eleições agora realizadas é praticamente unânime a existência de fraude generalizada, tendo a oposição apresentado de imediato actas das mesas de voto que provam que o candidato opositor terá recebido mais de 65% dos votos. Isto é, o opositor Gonzalez Urrutia recolheu mais uns quatro milhões de votos dos venezuelanos do que Maduro.

Nada que demova o ditador que iniciou aquilo a que ele próprio chamou “banho de sangue”, matando manifestantes a esmo e prendendo centenas de outros. As manifestações são feitas essencialmente por jovens que já não conheceram Chavez e que vêm essencialmente dos bairros populares, retirando a Maduro a base social que lhe poderia dar legitimidade do ponto de vista político. Não sei se fico admirado com os apoios externos a Maduro e à sua ditadura mas o facto de se reduzirem praticamente ao Irão, à Rússia e à China diz mais acerca deles do que sobre a Venezuela em si. Já o facto de, entre nós, o apoio a Maduro vir apenas do PCP também, na realidade, diz mais desse partido e do seu completo desfasamento da realidade do que outra coisa qualquer.


Uma coisa é certa. Aconteça ou não de imediato o afastamento imediato de Maduro, o seu fim político está traçado. Historicamente nenhuma liderança política sobreviveu à vontade manifesta por uma tão grande fatia do Povo.

A pedra de toque de uma Democracia é a saída pacífica de quem ocupa o poder quando perde eleições. Nos últimos tempos assistimos à resistência ao resultado por parte de dois ocupantes do poder, casos de Trump e de Bolsonaro. Em ambos os casos a força das instituições foi capaz de os obrigar a sair e a Democracia venceu. No caso da Venezuela tal não está a suceder, demostrando que se trata de uma ditadura e não de uma Democracia, assim tendo de ser considerada pela comunidade internacional. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Agosto de 2024

Imagens recolhidas na internet