Morreu um Amigo. A morte de alguém que nos era querido de alguma forma deixa sempre um espaço vazio dentro de nós. Não haverá mais aquelas conversas ou discussões que nos puxavam pelo que temos de melhor. Dele guardamos aquelas memórias que, de forma quase mágica, ocupam um espaço no nosso interior, espaço em que não podemos tocar, mas que está lá. No caso deste Amigo cuja morte suscitou as linhas desta crónica, há felizmente a possibilidade de revisitar as suas ideias, reflexões e valiosos ensinamentos nas crónicas que nos foi proporcionando ao longo dos anos. Ensinamentos que acrescentaram aos que o Eng. Celestino Quaresma me proporcionou e a muitos colegas nas suas aulas excelentes de Resistência dos Materiais no curso de Engenharia Civil. Sei que não estou sozinho, muito longe disso, ao recordar e homenagear intimamente o antigo professor e amigo e colega de dezenas de anos. Por tudo o que nos deu, obrigado, Eng. Quaresma.
Escrevo “morreu” porque quero dizer isso mesmo: morreu. Atualmente lê-se quase sempre que “passou para o além”, “partiu” ou, diz-se de forma talvez mais poética e fofinha, que “nasceu mais uma estrela”. Tentando, com alguma ingenuidade ou incapacidade de aceitar a realidade, esconder algo que, mais cedo o mais tarde, nos sucederá a todos. A nossa sociedade sofisticada pretende, de forma artificializada, eliminar a morte dos nossos olhos, havendo mesmo quem defenda que as crianças devem ser afastadas desses acontecimentos para não ficarem perturbadas. Acontece que a morte é a última consequência do que que acontece no início da vida de um novo ser que, com sorte, nascerá, crescerá, terá a sua vida própria e dará origem a novos seres semelhantes, mas sempre diferentes, que assegurarão a continuidade da espécie. A morte é de tal forma importante nas nossas vidas que levou desde muito cedo desde as mais antigas civilizações humanas a pensar no que se lhe seguirá, originando as crenças religiosas na vida para além dela. Felizes são aqueles que, tendo Fé, acreditam numa nova vida para além da morte física.
Quando atingimos uma determinada idade, os nossos pais e restante família da sua geração já morreu, ficando nós na linha da frente para que tal também nos aconteça, dentro da normalidade da substituição das gerações. Trata-se de um período em que, normalmente, passamos a assistir com demasiada frequência à morte de colegas e velhos amigos de infância, o que nos leva obrigatoriamente a pensar na nossa vida e sobre o que nos espera num período que será já de certeza muito mais curto do que os anos que já levamos.
A certa altura da vida entra-se num período mais descansado, com uma passagem do tempo mais fluida, mas em que, curiosamente, os dias, as semanas e os meses se sucedem a um ritmo cada vez mais vertiginoso. O oposto exacto do que sucedia na nossa juventude em que o tempo parecia passar lentamente, tendo nós pela frente todo o tempo do mundo. E é olhando para os filhos e netos que uma compreensão mais completa e perfeita da vida nos faz entender com propriedade o que verdadeiramente importa. E, claramente, não são os bens materiais que de alguma maneira nos rodeiam sempre ao fim de tantos anos, mas aquilo que tivermos sido capazes de transmitir, em particular os valores, tal como algum amor que tivermos dado aos mais próximos, em cada momento. Se tivermos sido capazes de o fazer, esse será o melhor legado que deixaremos aos que ficam: uma memória de felicidade que não nos deixará no esquecimento.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Agosto de 2024
Imagens recolhidas na internet
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