De todas as diatribes saídas da boca do ainda presidente da Venezuela Nicolás Maduro a seguir às recentes eleições presidenciais, reveladoras de uma mentalidade verdadeiramente fascista houve, no entanto, uma que me deixou estarrecido e que não tem sido devidamente tratada pela comunicação social. Maduro anunciou a actualização de um site governamental destinado a facilitar a denúncia anónima dos “inimigos” do seu regime (todos os que se manifestam) para que sejam presos. A cereja em cima do bolo do chamado “socialismo bolivariano”. Depois de dominar a máquina judiciária da base ao topo do supremo, tal como a procuradoria; depois de dominar as forças de segurança a que juntou umas célebres e temidas milícias paramilitares; depois de dominar uma boa parte das Forças Armadas, só faltava mesmo convidar os seus seguidores a denunciar os opositores de forma anónima. À desgraça económico-financeira em que colocou um dos mais ricos países sul-americanos, o regime Chavez/Maduro juntou a ditadura mais abjecta, que já provocou a emigração de vários milhões de venezuelanos que não encontram outra solução para as suas vidas. Só para se ter uma ideia, um dos países mais ricos em petróleo do mundo tem um ordenado mínimo mensal de 4 euros! Para além das perseguições percebe-se bem porque quase um quarto dos venezuelanos já fugiu do país.
O regime a que actualmente preside Maduro teve início com Hugo Chavez um militar que em 1992 tentou um golpe, sem sucesso, com o seu “Movimento Bolivariano Revolucionário-200”. Foi preso mas perdoado mais tarde para, em 1998, ser eleito presidente dando origem ao chamado “socialismo bolivariano”, um regime populista neste caso de esquerda como tantos tem havido na América Latina. Como é costume prometeu, assim ganhando as eleições, atacar os ricos distribuindo riqueza pelo povo. Ao levar a ideologia à prática, distribuiu a riqueza que havia e a que não havia, afastou investidores estrangeiros, nacionalizou a indústria do petróleo e destruiu a economia. Afirmando querer combater a pobreza e a desigualdade, trouxe a pobreza generalizada, como é hábito culpou os estrangeiros do sucedido e iniciou uma ditadura apoiada pelas forças armadas. Chavez morreu em 2013 tendo-lhe sucedido Nicolás Maduro, um antigo motorista de autocarros, aliado de Chávez que o levou para o seu governo. Nas eleições seguintes realizadas em 2018 Maduro foi reeleito, mas já nessa altura os resultados eleitorais foram muito contestados.
Nas eleições agora realizadas é praticamente unânime a existência de fraude generalizada, tendo a oposição apresentado de imediato actas das mesas de voto que provam que o candidato opositor terá recebido mais de 65% dos votos. Isto é, o opositor Gonzalez Urrutia recolheu mais uns quatro milhões de votos dos venezuelanos do que Maduro.
Nada que demova o ditador que iniciou aquilo a que ele próprio chamou “banho de sangue”, matando manifestantes a esmo e prendendo centenas de outros. As manifestações são feitas essencialmente por jovens que já não conheceram Chavez e que vêm essencialmente dos bairros populares, retirando a Maduro a base social que lhe poderia dar legitimidade do ponto de vista político. Não sei se fico admirado com os apoios externos a Maduro e à sua ditadura mas o facto de se reduzirem praticamente ao Irão, à Rússia e à China diz mais acerca deles do que sobre a Venezuela em si. Já o facto de, entre nós, o apoio a Maduro vir apenas do PCP também, na realidade, diz mais desse partido e do seu completo desfasamento da realidade do que outra coisa qualquer.
Uma coisa é certa. Aconteça ou não de imediato o afastamento imediato de Maduro, o seu fim político está traçado. Historicamente nenhuma liderança política sobreviveu à vontade manifesta por uma tão grande fatia do Povo.
A pedra de toque de uma Democracia é a saída pacífica de quem ocupa o poder quando perde eleições. Nos últimos tempos assistimos à resistência ao resultado por parte de dois ocupantes do poder, casos de Trump e de Bolsonaro. Em ambos os casos a força das instituições foi capaz de os obrigar a sair e a Democracia venceu. No caso da Venezuela tal não está a suceder, demostrando que se trata de uma ditadura e não de uma Democracia, assim tendo de ser considerada pela comunidade internacional.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Agosto de 2024
Imagens recolhidas na internet
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