segunda-feira, 12 de agosto de 2024

SERÁ APENAS NO REINO UNIDO?


Em 4 de Junho de 1940 o primeiro-ministro britânico Winston Churchill pronunciou um discurso de que cito uma parte: “We shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender”. A parte que ficou mais famosa foi mesmo: “Nunca nos renderemos”.

E os britânicos daquele tempo não se renderam mesmo. Recordo o que se passava na Europa na altura do discurso: Em 1 de Setembro de 1939 as tropas de Hitler invadiram a Polónia após o que O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha. Em 10 de Maio de 1940 a Alemanha iniciou a sua conquista a Ocidente, conquistando sucessivamente a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo. Nesta “guerra relâmpago” seguiu-se a França que se rendeu em 25 de Junho. As tropas francesas e britânicas foram cercadas nas praias de Dunquerque, tendo os britânicos montado uma impressionante operação de salvamento que pode ser vista no filme que leva o mesmo nome que permitiu, para grande ira de Hitler, a evacuação para a Grã-Bretanha de mais de 300.000 soldados.

Foi no contexto do êxito desta operação que Churchill fez aquele célebre discurso. A partir daquele momento o Reino Unido agigantou-se na História ao ficar completamente sozinho frente à besta nazi. Recordo que a Alemanha e a União Soviética tinham assinado em Agosto de 1939 um pacto de não-agressão, o famoso Pacto Molotov-Ribbentrop pelo qual a Polónia foi dividida pelos dois estados, o qual só seria rasgado em Junho de 1941 com a invasão alemã da União Soviética.

O Reino Unido esteve mesmo sozinho perante a barbárie que ameaçava formar o Reich de mil anos em toda a Europa. Nunca agradeceremos demais o heróico esforço britânico desse tempo. Claro que a liderança foi muito importante, mas a coragem e a determinação então evidenciadas pelo povo britânico foram impressionantes.

É por isso que se torna difícil de compreender o que se tem passado nas ruas de numerosas cidades do Reino Unido. Milhares de pessoas com comportamentos verdadeiramente bárbaros manifestaram-se contra a presença de imigrantes, nomeadamente de religião muçulmana. A causa imediata apresentada foi o assassínio de três meninas por um rapaz de 17 anos imediatamente apresentado como um refugiado muçulmano recém-chegado ao país. O que, além do mais era mentira, já que nasceu no Reino Unido, sendo filho de imigrantes legais. Impressionante foi ainda ver, no meio dos tumultos, numerosas pessoas a fazer a saudação nazi. No Reino Unido o que, além do mais, é um insulto e desconsideração pela geração britânica dos anos 40 do sec. passado que deu tudo pela Liberdade, parte dela ainda viva.

As manifestações são claramente racistas, mas são a parte visível do iceberg que é um intenso mal-estar social no Reino Unido que vai muito para além da questão da imigração e dos problemas raciais e de integração social. O primeiro sinal terá sido o Brexit que em 2016 deixou muita gente perplexa, incluindo o autor destas linhas. O disparate dessa decisão era tão evidente que só um povo a passar por graves problemas seguiria um populista como Nigel Farage, claramente ao serviço de obscuros interesses anti-europeus e anti-britânicos como é hoje claramente visível.


Trata-se também de uma consequência de fracas lideranças que deixaram o país sem rumo e a população à mercê dos populismos mais descarados e da propagação de notícias falsas pelos meios cibernéticos, mas também pela comunicação social tradicional. Pelo menos desde Tony Blair que o Reino Unido tem escolhido lideranças políticas pouco lúcidas e mesmo patéticas, bastando lembrar os casos de Boris Johnson ou Liz Truss.

Infelizmente esta situação não é exclusiva do Reino Unido já que é notória a incapacidade governativa de muitos líderes europeus, que estão mais interessados nas suas próprias carreiras pessoais e em manter permanentemente bons graus de satisfação imediata em vez de resolver os problemas estruturais. Nos anos 60 e 70 do sec. passado a Europa passou por uma crise política séria que deu origem ao desenvolvimento de organizações terroristas, naquela altura esquerdistas, que foi muito difícil ultrapassar, por vezes pondo mesmo de lado os métodos democráticos. Seria bom que os líderes actuais olhassem para o que se está a passar, evitando o desenvolvimento de uma situação semelhante, agora vinda da extrema-direita.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Agosto de 2024 

Imagens retiradas da internet

 

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