Passam este mês 471 anos sobre a data de nascimento do Rei. D. Sebastião que viria a morrer na batalha de Alcácer Quibir em 4 de Agosto de 1578. A tradição histórica atribuiu-lhe o cognome de “o Desejado” e “o Encoberto”, o que já por si indicia o sebastianismo que se desenvolveu em Portugal após o seu desaparecimento. Grande parte do povo não acreditou na sua morte na batalha fatídica, com esperança no seu regresso para resolver os problemas do país. Esse movimento profético e messiânico nunca chegou a desaparecer completamente, tendo-se manifestado por diversas formas ao longo dos tempos, sempre como uma solução que, de forma quase mágica, nos tiraria de dificuldades na realidade por nós próprios criadas.
As “Trovas messiânicas” de um sapateiro de Trancoso chamado Gonçalo Bandarra, da primeira metade do sec. XVI foram, curiosamente, o ponto de partida para esse movimento messiânico que se desenvolveria em torno do regresso de D. Sebastião. No sec. XVII o Padre António Vieira deu um impulso ao espírito messiânico de Portugal, formulando a tese do Quinto Império. Para ele o destino de Portugal, na senda das profecias de Bandarra, seria corporizar o “Quinto Império”, mas um império espiritual que traria paz e justiça ao mundo. O próprio Fernando Pessoa viria a integrar o chamado “quinto império” cultural e espiritual na sua obra poética, na “Mensagem”. O messianismo, para além de uma crença de carácter popular, corporizou um sentimento das próprias elites culturais.
Felizmente, existe hoje uma parte de Portugal, não dependente do Estado, que foge ao sebastianismo e investe de forma responsável e exigente, criando riqueza e emprego bem pago. Mas ao lado, sonhar com um futuro grandioso, sem trabalhar para o conseguir, parece continuar a ser uma pecha de muitos portugueses, aos mais diversos níveis, como o indiciam vários sinais: o elevadíssimo número de compradores de raspadinhas e jogadores compulsivos do Euromilhões que, em vez de tentar poupar, gastam o que têm e o que não têm; a forma como políticos relevantes falam na necessidade de gastar todo o PRR em vez de exigir que seja bem gasto. Aliás, só um desfasamento grave entre a realidade e um sentimento de riqueza onírica pode explicar que, tendo entrado na CEE em 1986 e recebido centenas de milhões de euros em apoios financeiros desde então, a riqueza de Portugal não ultrapasse ainda hoje os 83% da média europeia. E o nível de pobreza entre os portugueses é ainda tão elevado e difícil de compreender que um estimado amigo me comentava há poucas semanas que “entre nós, a pobreza parece ser mais um traço genético, de tal modo é sentida por tantos, quase inelutavelmente; parece que os restantes apenas lutam para não ser pobres também.”
Se me parece evidente que o grau de pobreza é resultado de políticas públicas, não pode deixar de ser essa mesma pobreza que, em grande parte, é responsável pela continuidade de hábitos e crenças que já há muito deviam estar no caixote de lixo da História.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Janeiro de 2025
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