A História ensina-nos que há momentos específicos em que uma descontinuidade súbita arrasta a sociedade para uma direcção completamente diversa da que fora seguida até então. Mas mesmo esses pontos de inflexão séria são consequência do percurso anterior, embora as forças que levam ao seu surgimento sejam muitas vezes pouco perceptíveis, tal como as correntes subaquáticas invisíveis à superfície que quando chegam à costa rebentam com uma força insuspeitável. De facto, quem olha para os movimentos sociais observando apenas a espuma superficial, é muitas vezes surpreendido pela violência de fracturas repentinas que se desenvolvem de forma quase espontânea e que tudo alteram em muito pouco tempo. Nunca me esqueci de, quando andava no liceu, estudar a Revolução Francesa e a suas causas imediatas e longínquas. Tal como a vida me proporcionou assistir ao vivo ao 25 de Abril que fundou o nosso regime democrático, algo de que a quase totalidade da população portuguesa não desconfiaria nos dias anteriores. Tratou-se de uma alteração profunda da realidade induzida por um determinado facto concreto, mas ampliada por condições profundas de cuja existência não se suspeitaria.
Serve tudo isto para justificar uma visão muito própria da realidade actual que é muito mais complexa do que a espuma dos telejornais, desde o “caso das gémeas” ao “vencimento do Rosalino”. A votação extraordinária do partido Chega, ao contrário do que se costuma dizer, não se deve a um “crescimento da direita”, já que não tem nada a ver com conservadorismo ou democracia cristã do centro-direita. É outra coisa que se deve a movimentos subterrâneos fortíssimos que se desenvolvem em todo o mundo de rejeição de um novo modelo capitalista que não proporciona um crescimento económico semelhante ao do sec. passado. Temos de perceber o que verdadeiramente significam o Brexit, a vitória de Trump, o surgimento de partidos como a AfD na Alemanha e outros pela Europa fora. Isto obriga a não “meter a cabeça na areia” relativamente aos verdadeiros problemas, mas não dando terreno ao populismo que se aproveita daquele fenómeno de ressentimento generalizado.
Em Portugal o ano de 2025 vai trazer eleições autárquicas, importantes para todos nós porque traduzem a escolha de quem dirige a “coisa pública” com proximidade. Que não nos deixemos embarcar em campeonatos de duração de “fogos de artifício” e que sejamos exigentes relativamente àquilo que verdadeiramente interessa ao futuro da Cidade são os meus votos.
Vamos igualmente assistir à preparação da eleição presidencial que acontecerá no início de 2026. Aliás, essa preparação já começou. E, mais uma vez, deveremos ter muita atenção aos movimentos sociais profundos que, vindos de vários lados, poderão desembocar nos resultados dessa eleição, para que depois não se venha com a conversa (e desculpa) da surpresa.
Para todos os leitores os meus votos de um bom ano de 2025 com saúde e com muita atenção ao que verdadeiramente interessa.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Janeiro de 2025
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