Se há característica (diria defeito) que é geralmente atribuída aos portugueses é a sua incapacidade de planeamento. No que diz respeito à ocupação do território, isso é particularmente evidente.
Tal deve-se a diversos factores, mas sobretudo à falta crónica de ordenamento do território durante muitas dezenas de anos, sobretudo a partir da década de 60 do século XX, quando o desenvolvimento do país se começou a acentuar. Como, por essa altura, se inventou a figura do loteamento sem que antes ou simultaneamente se desenvolvessem planos de urbanização, o desastre urbanístico espalhou-se pelo território nacional.
A situação atingiu tais proporções que o poder político nacional não teve outro remédio, na passagem dos anos 80 para os anos 90, senão obrigar os municípios a adoptar um instrumento de planeamento do território mínimo, os chamados Planos Directores Municipais (PDM’s). Digo obrigar com toda a propriedade, porque o Governo de então teve de ameaçar os municípios que não tivessem PDM aprovado até uma determinada data com corte das transferências financeiras do Estado
Nos PDM’s preveem-se determinadas áreas de protecção onde não se deve construir, como Reserva Agrícola ou Reserva Ecológica. Essas áreas são determinadas tecnicamente e não politicamente e percebe-se porquê: entre outras situações, todos nos lembramos daquelas tragédias em que habitações legais são destruídas porque construídas em zonas de cheia ou mesmo junto a rios e ribeiras, quando há chuvas mais fortes, tantas vezes com perda de vidas.
Recentemente o Governo publicou um Dec. Lei, entretanto entrado em vigor dado que a AR deliberou pela sua não revogação, que permite lotear solos rústicos, transformando-os em urbanos, onde portanto se poderá construir. O motivo apontado para esta alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial a que se tem chamado “nova lei dos solos” é a necessidade de responder à gritante falta de habitação.
Embora se justifique com motivos, à primeira vista racionais, trata-se de um ataque ao planeamento do território que, daqui a uns anos será apontado como outro erro urbanístico como tantos do passado recente e já nada haverá a fazer. Na realidade, a área em que já é autorizado construir é mais que suficiente e o argumento do preço também não colhe: estamos num mercado livre e aberto e nada impede a valorização dos terrenos com utilização entretanto alterada. Acresce que serão necessárias mais infraestruturas que irão onerar permanentemente as despesas correntes dos municípios.
Se há, como se percebe, um problema de oferta de habitação em certas zonas do país, em particular as áreas metropolitanas, que o Estado o assuma e encontre soluções fortes e capazes e não remendos que comprometem as gerações futuras e a sustentabilidade urbana. Como, por exemplo, adoptar a figura da “expropriação sistemática” que permitiu há décadas o desenvolvimento de Lisboa de uma forma que ainda hoje é um exemplo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Fevereiro de 2025
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