sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Reféns, Sr. Presidente? A sério?

 No meio das centenas de “ordens executivas” que equivalem a decretos presidenciais e que foram a marca da sua tomada de posse, o novo Presidente dos EUA assinou um decreto a perdoar pessoas condenadas em tribunal pelo ataque de 6 de Janeiro de 2021 ao Capitólio. Como justificação, adiantou que essas pessoas, a quem chamou reféns, apenas protestavam contra a suposta viciação das eleições presidenciais de 2020, nas quais Trump perdeu contra Biden. Recordo que em todos os Estados na altura referenciados por Trump como locais de batota nos resultados se concluiu judicialmente não ter ocorrido nada disso, tendo as eleições sido limpas. E, no entanto, o novo Presidente americano continua a usar esse argumento, agora para libertar os criminosos que fizeram o que todos nós assistimos em directo pela TV durante horas: um assalto violento ao Capitólio, destruindo o que lhes apeteceu, agredindo polícias e quem se lhes opusesse e provocando mesmo várias mortes.

Acredito que, no meio dos múltiplos decretos presidenciais, esta ordem tenha passado relativamente despercebida e mesmo tida como irrelevante perante a importância política, social e económica de todo o pacote que corresponde a um verdadeiro comportamento disruptivo para com o passado recente. Mas esta decisão, só por si, basta para definir por completo a personalidade do novo. Expõe o entendimento de que está autorizado a exercer o poder para praticar tudo o que lhe parecer defender os seus interesses.

Não vou abordar os temas de política exclusivamente interna dos EUA, já que Donald Trump ganhou as eleições de forma absoluta e tem, portanto, toda a legitimidade para aplicar as políticas que anunciou na sua campanha.

Mas, como europeu, há alguns aspectos que não posso deixar de abordar. Desde logo, Trump mostrou, no seu discurso, que a Europa é para si uma inexistência, ao não se lhe referir uma única vez. Anunciou ainda o estabelecimento de tarifas sobre os produtos europeus exportados para os EUA, queixando-se de que os europeus não compram os carros americanos, enquanto os carros europeus são bem vendidos na América. Como ele muito bem sabe, sendo empresário, ninguém é obrigado a comprar algo mau tendo ao lado uma boa alternativa e isso é a base da economia de mercado que promove a inovação e a qualidade. As tarifas têm o resultado contrário ao que ele anuncia como sendo garantido. E quem pagará tudo isso serão os consumidores americanos.

No meio de tudo isto há, no entanto, várias conclusões a tirar e com consequências sérias para os europeus, que não podem ser escamoteadas pelos nossos responsáveis políticos. A sociedade liberal, como a conhecíamos, vai ser colocada seriamente em causa e desta vez não é pelos seus velhos inimigos, os comunistas. A Europa vai deixar de ter o guarda-chuva americano na defesa e vai ter de olhar para o resto do mundo de forma adulta e responsável. E vai ter de se organizar, já não como uma super-burocracia, mas como uma entidade autónoma e responsável, política, económica e militarmente.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Janeiro de 2025

Sem comentários: