Assinalou-se na semana passada o Dia Internacional das Vítimas do Holocausto com uma cerimónia no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau em que participaram alguns dos últimos sobreviventes, já que a libertação do campo pelo exército soviético ocorreu há oitenta anos. Dos cerca de seis milhões de judeus vítimas do nazismo, estima-se que mais de um milhão foram assassinados em Aushwitz.
Devo dizer que nunca me atrevi a visitar nenhum dos campos de concentração nazis, embora tenha amigos próximos que o fizeram e comigo partilharam a extrema impressão que lhes causou essa visita. Talvez por isso mesmo nunca o tenha feito até porque, sendo português e beirão, sei perfeitamente que alguma ascendência judaica certamente terei.
Já por várias vezes abordei o nazismo, as suas origens, a sua ideologia e as trágicas consequências para a humanidade que daí vieram. Não é fácil entender como seres humanos levaram a cabo tais barbaridades, só tendo uma classificação para tal, como sendo o “mal absoluto”, que chega a não ter explicação. A filósofa alemã de origem judaica Hannah Arendt debruçou-se sobre esta questão tendo aventado uma explicação algo perturbadora e mesmo assustadora para o que se passou na Alemanha nos anos 30 e 40 durante o nazismo. Ao acompanhar o julgamento de Eichmann, Hannah Arendt concluiu que, em determinadas condições de massificação social, as pessoas comuns podem desenvolver uma indiferença moral que lhes permite fazer coisas em obediência a ordens, que em condições normais achariam impensáveis, quanto mais realizáveis por elas próprias. Daí a sua expressão “a banalidade do mal”, que se tornou célebre, mas que a própria comunidade judaica teve dificuldade em aceitar, por se poder confundir com uma desculpabilização do mal praticado e consequente desresponsabilização dos perpetradores da barbaridade que se conhece
O Holocausto deve ser sistematicamente recordado, porque o que sai da memória pode ser facilmente apagado da História. E é evidente o regresso e difusão do antissemitismo, havendo mesmo muitas pessoas que negam a existência do Holocausto. Bem andou o Gen. Eisenhower quando organizou uma visita ao campo de concentração de Gotha. Além de chamar jornalistas e fotógrafos para reportarem ao mundo inteiro a realidade dos campos de concentração nazis, obrigou os civis alemães moradores dos arredores a testemunharem com os seus próprios olhos o que o regime alemão ali tinha feito. Como explicação para obrigar a ver, cheirar e ouvir testemunhos vívidos, Eisenhower afirmou ter a certeza de que, dentro de poucos anos, haveria muita gente a negar que aquele horror tivesse realmente acontecido. E, como se vê hoje, tinha inteira razão.
Quer se concorde ou não com a tese de Arendt parece ser certo que a existência de determinadas circunstâncias sociais que promovem o medo generalizado condiciona gravemente as escolhas pessoais que envolvam algum risco imediato. Daí a obedecer cegamente a ordens ilegítimas e imorais vai um passo que, demasiadas vezes, se verifica ser fácil de dar.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Fevereiro de 2025
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