A publicação anual do relatório sobre “POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL EM PORTUGAL” devia ser de leitura obrigatória a todos os que de alguma forma ocupam o espaço público para falar dos problemas estruturais do nosso país. Assim se livrariam os portugueses de afirmações demagógicas e populistas, já que não há como conhecer a realidade dos números concretos para se debaterem estes assuntos.
Portugal tem evoluído nesta matéria, sendo hoje a situação melhor do que há uns anos. Contudo, ainda ficamos muito mal nas comparações com os nossos parceiros da União Europeia, havendo um longo caminho a trilhar. Uma certeza me parece evidente: só o crescimento económico sustentado poderá criar condições para a erradicação deste flagelo, que muitos consideram endémico, da pobreza em Portugal.
Olhando para os números do Relatório 2024 agora publicado, que se refere à situação no ano imediatamente anterior, um valor geral chama desde logo a atenção: em Portugal “a taxa de risco de pobreza ou exclusão social situa-se nos 20,1%, correspondendo a 2,1 milhões de pessoas” não se verificando uma alteração significativa relativamente ao ano anterior, ainda assim com um aumento de 20.000 pessoas nessa situação.
Para se perceber melhor o significado do que estou a falar, devo indicar ainda o que é a taxa de risco de pobreza ou pobreza monetária: “corresponde à proporção de pessoas com rendimentos monetários líquidos por adulto equivalente inferiores a 7.095€ euros/ano ou 591€ euros/mês”. Esta taxa é calculada a partir da definição anual da linha de pobreza, ou seja, da população cujo rendimento monetário é inferior a 60% do rendimento mediano disponível, após transferências sociais. Pois, em Portugal, essa taxa é de 17%, número aterrador que significa quase 1,8 milhões de pessoas nessa situação, tendo-se verificado um aumento de 85 mil pessoas relativamente ao ano anterior. Note-se que esta taxa de risco de pobreza se verifica após as transferências sociais pelo que, não contando com todas essas transferências do Estado, o seu valor cresceria para 21,2%.
A análise dos grupos sociais indica-nos que, em primeiro lugar, surgem as situações de desemprego que são quase 60%, seguidas pelos arrendatários com renda reduzida, as pessoas fora do mercado de trabalho, as famílias monoparentais com crianças dependentes, as famílias unipessoais com mais de 65 anos e, finalmente, a população estrangeira de nacionalidade extracomunitária que representa 28,6%.
Globalmente 4,9% da população portuguesa vive em situação de privação material e social severa.
Tendo neste momento responsabilidades de Direcção no Banco Alimentar Contra a Fome de Coimbra não posso deixar de acrescentar que esta situação de pobreza em Portugal tem ainda outra consequência: muitos portugueses têm dificuldade em colocar na mesa a comida necessária para toda a família, assim como prescindem de comprar medicamentos. Tal como muitos imigrantes que trouxeram família se veem aflitos para alimentar os filhos com os magros salários e as despesas com alojamento, sendo tão merecedores da nossa atenção como os portugueses na mesma situação.
Não posso deixar de referir um aspecto positivo na evolução deste problema da pobreza em Portugal, dado que a nossa redução da taxa de pobreza foi o dobro da média europeia, situando-nos actualmente abaixo da média europeia que é de 21,3%, contra os nossos 20,1%.
Os resultados das campanhas de recolha de alimentos dos Bancos Alimentares provam que os portugueses estão bem conscientes deste problema e estão solidários com os quase 1,8 milhões de concidadãos em situação de pobreza. Mas não é suficiente. Portugal tem tem de criar riqueza suficiente para que a situação de pobreza de tantas pessoas, que nos devia envergonhar a todos, seja reduzida a um nível mais aceitável e passível de solução através das prestações sociais.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Junho de 2025
Sem comentários:
Enviar um comentário