segunda-feira, 2 de junho de 2025

Mudanças eleitorais…e não só

 

No sábado anterior às recentes eleições, numa reunião de amigos, opinei ter a convicção (que não espectativa, entenda-se) de que, pelo andar da carruagem, o CHEGA deveria ultrapassar em breve o PS, afirmação que recebeu a discordância imediata de quem a ouviu. Na verdade, não me passava pela cabeça que isso viesse a acontecer logo no dia seguinte. E aconteceu: pela vontade popular, o CHEGA é agora o segundo partido do sistema político português, tendo elegido 60 deputados, portanto mais dez que nas eleições de 2024. O PS que tinha 78 deputados passou para 58 e a AD obteve mais 11, passando a ter 91. Sintomaticamente, o BE perdeu quatro deputados passando a uma representação simbólica de um lugar, enquanto o PCP/CDU continuou o seu lento definhar perdendo mais um lugar, mantendo apenas 3.

Trata-se de uma situação política completamente nova, tendo-se a ideia de que a comparação com o que aconteceu com o PRD, partido eanista dos anos oitenta, não tem sentido. Mas isso só será comprovado nas eleições autárquicas do próximo mês de Setembro. A AD, só por si, tem mais deputados que a esquerda toda junta, incluindo o Partido Socialista, mas isso só significa uma queda generalizada e forte da esquerda como não tinha acontecido antes. A sua percentagem de 31,8% não é de molde a embandeirar em arco porque está muito longe de uma maioria absoluta, embora disponha de mais 31 deputados que a segunda força do parlamento.

O PS liderado por Pedro Nuno Santos teve uma queda estrondosa que significa obviamente uma clara rejeição da sua proposta política pelo eleitorado. Nesta eleição perdeu mais de 370 mil votos, a acrescentar aos quase 490 mil perdidos em 2024, num total de 860 mil votos num ano e pouco de liderança política.

Quando foram anunciadas estas eleições escrevi nestas linhas que, no início do próximo ano Portugal será completamente diferente. Essa mudança, ditada pelas circunstâncias e pelas escolhas democráticas, já começou. Daqui a três meses teremos as eleições autárquicas, sendo previsível que o Chega ganhe diversas câmaras, essencialmente a sul do país, que ainda há bem pouco tempo era dominado pela esquerda. O PS terá aqui uma oportunidade decisiva para estancar a queda e tentar aguentar alguma da sua importância no nosso sistema político. Só isso justifica a substituição imediata da sua liderança, sem que faça uma verdadeira avaliação política do sucedido, a fim de entender as causas profundas da sua actual situação. E em pouco mais de seis meses teremos a eleição do novo Presidente da República. É para mim claro que estas substituições não são apenas de protagonistas antes significam uma alteração significativa que vem do fundo dos sentimentos e vontades dos portugueses, quer cada um de nós goste ou não.

E, agora, olhemos para Coimbra. O nosso círculo eleitoral foi daqueles em que menos cresceu o partido Chega que, embora crescendo, ficou em terceiro lugar com 18,4% contra a AD com 34,4% e o PS com 27,4%. Em consequência, a AD “roubou” um deputado ao PS, tendo obtido lugares e o PS dois, o mesmo número que o Chega. De notar que no distrito, o PS apenas foi maioritário no concelho de Soure, tendo a AD vencido em todos os outros.

Já no concelho de Coimbra, a atenção aos números tem o sal da proximidade das eleições autárquicas. Nesta eleição a AD teve 26.652 votos contra 26.916 nas últimas autárquicas. O PS teve agora 24.193 contra 21.312 e o Chega obteve 11.514 quando nas autárquicas tinha obtido 1.914. A Iniciativa Liberal e o Livre surgiram com cerca de 4.500 votos cada. Já o BE perdeu mais de 3.000 votos e a CDU perdeu 250.

Sabemos que se trata de eleições diferentes, mas a sua proximidade no tempo implica claramente que haja interpenetrações nas escolhas dos eleitores. Os números indicam que as eleições autárquicas em Coimbra não estão ainda decididas, longe disso, sendo apenas de prever, com segurança, que a CDU sairá do Executivo municipal enquanto o Chega entrará com alguma força. As implicações disso na vitória são ainda imprevisíveis. Dependerão muito da composição das listas, mas sobretudo da percepção dos eleitores sobre a capacidade relativa de recuperar alguma da antiga importância nacional e, sobretudo, do papel regional de Coimbra: deve ser capital regional ou apenas um dos polos da região?

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Junho de 2025

 

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