Se o leitor entrar na Igreja de Santa Cruz num qualquer dia da semana às nove da manhã, encontra o templo praticamente cheio para a celebração da Eucaristia.
Para além do facto de a congregação reunida ter como característica acentuada a predominância de cabelos brancos, o que se compreende dada a hora de trabalho, há outros aspectos que saltam à vista.
Em primeiro lugar, o templo encontra-se com a lotação quase completa, o que é muito significativo.
Por outro lado, somos apanhados de chofre pela sensação de que aquela celebração manifesta uma continuidade religiosa com mais de oitocentos anos, o que é impressionante. E apercebemo-nos de que a celebração eucarística é verdadeiramente a função primordial do templo, muito para além das cerimónias que regularmente se lá realizam, por ser monumento e panteão nacional.
Felizmente vai longe o tempo em que a classificação do património artístico e cultural da Igreja como de interesse nacional significava que o bem lhe era sistematicamente retirado e destinado a outros fins, o que não raras vezes significou a sua degradação e perda para sempre.
Ao longo de centenas de anos a Igreja Católica foi a criadora de um vastíssimo espólio cultural, constituído não só pelas igrejas e conventos, mas também por imagens, pinturas, peças de ourivesaria, panos valiosos, etc.
Se a comunidade em geral e o próprio Estado consideram esses bens como um património comum a preservar, o que no fundo é um reconhecimento da importância do cristianismo na constituição da nossa memória, não se deve esquecer o objectivo primordial da sua criação, que é o culto religioso.
Como templos abertos ao culto, as igrejas cristãs são lugares vivos que assim se distinguem dos museus, que servem apenas para conhecer ou visitar o passado.
A Igreja Católica, através da sua estrutura hierárquica, nomeadamente pela Conferência Episcopal, debruça-se com a maior atenção sobre o estudo da conservação e valorização do seu Património Artístico e Cultural.
Entre outras questões, a Conferência Episcopal considerou muito recentemente que “interessa particularmente à Igreja promover a correcta utilização pastoral e cultural do património”, aceitando ainda integrar uma comissão paritária com o Estado “que assegure um diálogo permanente, em ordem a conjugar esforços na defesa e valorização do património artístico da Igreja e a equacionar os problemas surgidos em lugares de interesse comum, como são os templos designados monumentos nacionais".
Como se vê, trata-se de uma questão que está na ordem do dia, existindo boas hipóteses de que esta nova abordagem venha a dar bons frutos, se o Estado acompanhar os esforços da Igreja Católica.
Publicado no DC em 10 Dezembro 2007