Já poucos se lembram, mas no Verão de 2008 começou uma séria crise financeira internacional cujo sinal maior foi a falência do banco Lehman Brothers, o quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos. A partir daí foi toda uma catadupa de falências de instituições bancárias, compra de outras, fusões, etc. Os governos de muitos países do Ocidente resolveram salvar o sistema financeiro que durante anos fez disparates sobre disparates com produtos que não tinham sustentabilidade real e se auto-alavancavam de maneira insana, com o beneplácito de todas as entidades com responsabilidade reguladora ou, no mínimo, um fechar de olhos e assobiar para o lado. Na realidade, tratou-se de uma crise séria, mas de ajustamento do sistema à realidade.
As iniciativas dos governos estenderam-se depois a toda a economia, tentando tapar os buracos, como se o fundamental não fosse ir às causas, em vez de maquilhar as consequências.
Como resultado, os défices dispararam e vieram acumular-se às tradicionais deficiências de muitos desses países: dívida externa exagerada, fraco crescimento, desadequação das economias aos novos tempos da globalização.
Na Europa do Euro, esses problemas são muito mais graves para os países nessa situação, porque não possuem meios próprios para responder, dado que prescindiram voluntariamente deles ao aderirem à moeda única. Em particular, esses países deixaram de ter a possibilidade de desvalorizar moeda e de influenciar as taxas de juro, meios desde sempre utilizados para combater situações de crise económica e de falta de competitividade. Nesta situação verdadeiramente aflitiva, que se pode comparar a um duche gelado logo depois de um banho quente, estão a Grécia e a Espanha, mas também Portugal. Muitos países europeus estão a adoptar medidas excepcionais para controlo dos seus défices a curto prazo. Como sempre, os défices são combatidos através da redução de despesas, ou então através do aumento de impostos, ou mesmo por uma mistura das duas soluções. Todos os países aumentam os impostos, uns mais do que os outros. O que os governos não prescindem é de dar sinais à sociedade de que acompanham os cidadãos nos seus sacrifícios. Por exemplo, os ministros ingleses deixaram de ter direito a carro oficial próprio com motorista, devendo usar transportes públicos ou carros oficiais partilhados, e em França os ministros passaram a utilizar pequenos carros utilitários e económicos, para além de terem acabado com despesas supérfluas, como flores frescas nos ministérios. Muitos outros exemplos se podem contar. Cá por Portugal, país onde a subida de impostos vai ser acentuada, verifica-se em todos os níveis do Estado a continuação do espectáculo de organismos com inúmeros carros parados à porta com os respectivos motoristas à espera.
A moeda única tornou-se uma verdadeira armadilha para os países que nela entraram alegremente sem preparar as suas economias para a nova situação criada. Fica-nos a amarga sensação de que grande parte dos dirigentes políticos que desde há décadas têm aparecido por essa Europa fora são no mínimo inconscientes, quando não totalmente incompetentes. Se não, como se compreenderia que países tenham aderido a uma moeda única sem garantir meios de combate a crises para além de descerem generalizadamente os salários, como agora os gurus como Paul Krugman lhes vêm candidamente explicar?
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Maio de 2010