Não é possível pensar no morticínio que sucedeu na Noruega há poucas semanas sem sentir um nó no estômago, uma espécie de enjoo e vontade de vomitar. Se os efeitos da bomba colocada num carro numa rua em Oslo fazem já parte do nosso quotidiano, porque quase todos os dias vemos imagens de algo semelhante ocorrido em algum sítio do mundo, o que sucedeu depois na ilha de Utoia já é muito diferente. Um jovem norueguês passou mais de hora e meia de armas na mão a perseguir e matar a sangue frio todos os jovens que foi encontrando pela frente na pequena ilha onde estavam acampados. Foram 76 vidas ceifadas, 76 futuros cortados, 76 pais e 76 mães que perderam um filho ou uma filha sem ninguém saber exactamente porquê, nem para quê.
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Antes de sair de casa para levar a cabo o massacre que planeou sozinho durante quase dez anos, Anders Breivik de 32 anos até descarregou na net um documento com mais de 1500 páginas onde supostamente daria explicações para o seu acto. Um conjunto monstruoso de disparates e citações as mais diversas, onde é difícil encontrar um rumo definido, para além do mal absoluto e de ódio a tudo o que é diferente. Um narcisismo evidente leva-o a colocar fotos suas fardado e cheio de medalhas, ele que nunca fez serviço militar, bem como usando fatos de combate ridículos, com condecorações anedóticas inventadas por ele mesmo.
O ódio ao multiculturalismo é um traço comum nas diversas arengas “explicativas” adiantadas pelo autor do massacre. A Noruega é hoje um dos países com maior nível de vida do mundo, graças às reservas gigantescas de petróleo que possui e explora. Ao contrário de muitos outros países exportadores de “ouro negro”, a Noruega definiu muito bem, por lei, o destino a dar às receitas que obtém através da exploração petrolífera. Desde logo, uma percentagem de 30% é destinada a alimentar um fundo soberano, que é dos maiores do mundo. Depois, a Noruega construiu um sistema de protecção social invejável para todos os seus cidadãos, no que respeita por exemplo à educação, à saúde e segurança social. Mas a Noruega não se fechou sobre si própria. Não aderiu ao Euro e percebe-se bem porquê. Mas, em compensação, destinou verbas assinaláveis para apoiar outros países, onde se encontra também Portugal; cá em Coimbra, por exemplo, o sistema de rega ecológico do Jardim Botânico que permite poupar água da companhia e gastos desnecessários foi custeado pelo governo norueguês que apoiou financeiramente vários outros projectos no nosso país, designadamente na reabilitação de bairros sociais degradados. Não contente com isso, a Noruega destinou verbas enormes para o apoio a populações de áreas problemáticas de todo o mundo, recebendo mesmo no seu território imensa gente carenciada e perseguida por várias razões, como é o caso da Somália. Esta atitude e a tolerância nacional perante a chegada de muito imigrantes a um país agora rico e que são acolhidos com grande atenção e mesmo cuidados que obviamente não tinham no seu país de origem, dá por vezes origem a reacções por parte de inadaptados que se acham donos do país, por vezes com grande violência como aconteceu agora. Gente que confunde tolerância e apoio a desfavorecidos com multiculturalismo. Gente que para mostrar ódio a muçulmanos resolve massacrar pessoas do seu próprio país, não pode ser senão considerada como personificação do mal absoluto, pela completa falta de sentido das suas acções e desrespeito pelos semelhantes.
Muito bem fez um jovem norueguês escapado ao massacre, ao escrever a Breivik afirmando que não lhe tem ódio. Mostrou que o futuro é dos Homens que defendem a Paz, o que é particularmente significativo num país que atribui o Nobel da Paz.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 8 de Agosto de 2011