As Fundações são uma espécie de Associações muito especiais que proliferaram entre nós nos últimos anos como cogumelos nas primeiras chuvas do Outono.
Mas há uma Fundação mesmo muito especial que não deixa de nos surpreender e que diz muito do Portugal dos últimos anos.
O Centro Cultural de Belém é uma estrutura que nos suscita reacções opostas. Por um lado, é um conjunto de grande qualidade em termos arquitectónicos, beneficiando ainda de uma localização privilegiada, quer em termos naturais com o Tejo bem perto, quer em termos urbanos e patrimoniais com os Jerónimos mesmo ao lado.
Mas o preço que custou e, fundamentalmente, o desvio brutal face ao orçamento que estava inicialmente previsto (de 31 para 200 milhões de euros), ficará para sempre como um símbolo do país que fomos criando ao longo das últimas décadas, agora que muitos responsáveis nos tentam ensinar que "vivemos acima das nossas posses". Pelos vistos, se isso é verdade, houve ao longo dos anos muitos políticos que ajudaram a criar essa situação e que por pudor se deveriam abster de criticar os portugueses comuns por tal atitude.
Os 97.000 metros quadrados do CCB albergam desde 2007, em permanência, a Colecção Berardo que é gerida por uma Fundação própria. A Colecção Berardo foi ocupar o espaço que anteriormente era o Centro de Exposições do CCB. Isto é, o empresário Joe Berardo, também conhecido por Comendador Berardo, obteve do Estado Português um espaço absolutamente privilegiado para expor a sua colecção particular, evitando construir um edifício próprio e poupando até nos elevados encargos de seguro que uma colecção de arte com aquela dimensão exige. Há poucos dias ouvimos declarações do Sr. Comendador, queixando-se de que o Estado se teria atrasado na entrega de dinheiro para pagamento de salários. Vai-se a ver e somos surpreendidos com as contas da tal Fundação. Na realidade, desde 2006 até agora, o Estado pagou à mesma mais de 27 milhões de euros e o Sr. Comendador Berardo 2 milhões, consta que metade desta verba em espécie através da entrega de mais obras de arte avaliadas por ele próprio. Pelos vistos tudo isto em observância do acordo celebrado pelo Estado e o Sr. Comendador, que vai sempre ameaçando com a hipótese de levar as obras de arte para outro lado qualquer se o Estado não se portar bem. Para se ter uma ideia do que estamos a falar, o valor pago pelo Estado foi o equivalente ao dobro do valor anual de apoios estatais às artes cénicas, plásticas e performativas e a artistas independentes. É obra, caramba!
Claro que vindo de quem vem, não é de admirar. Todos percebemos já de que forma o Sr. Comendador conseguia até há pouco tempo trabalhar com o Estado. Basta ver como conseguiu da CGD um empréstimo de centenas de milhões de euros para comprar acções do BCP, dando como garantia as próprias acções, e assim arranjar força accionista para influenciar decisivamente a queda da anterior administração do BCP. Curiosamente, para o lugar dessa administração acabaram por ir os administradores da CGD que terão autorizado a operação de empréstimo. Claro que, com a desvalorização espectacular das acções do BCP, quem está a arder? A Caixa que é do Estado.
O Governo já se terá dado conta do que tem acontecido com estas famosas fundações e mandou fazer um levantamento exaustivo da situação. Outra delas, a famosa Fundação para as Comunicações Móveis, que tem actualmente uma dívida de cerca de 65 milhões de euros, já se sabe que vai fechar. Serviu para financiar os célebres computadores Magalhães distribuídos pelas crianças deste país, dando corpo a mais um dos famigerados "desígnios nacionais" que desde o Euro 2004 têm ajudado a enfiar-nos no buraco em que nos encontramos.
Apetece dizer: Deus nos livre de mais desígnios nacionais e de fundações destas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Outubro de 2011