segunda-feira, 5 de março de 2012

Direitos das crianças: retórica pura?



A História ensina-nos que o que parece óbvio numa determinada época, não o é tanto noutros tempos ou mesmo noutras paragens.
As crianças não foram sempre olhadas pela sociedade da mesma maneira, havendo uma clara evolução sobre o que são, o que significam e nas últimas décadas, mesmo sobre que direitos devem ter.
Sabemos que foi apenas em 1959 que a ONU aprovou a Declaração dos Direitos da Criança, afirmando-se, logo nos seus considerandos que “a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma protecção e cuidados especiais, nomeadamente de protecção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento”.
Durante muito tempo, olhou-se para as crianças como sendo apenas adultos mais pequenos. Até recentemente, as crianças eram usadas como mão de obra barata, mesmo na civilização ocidental, como Charles Dickens descreveu de forma tão pungente.
Há menos de cem anos, a Europa viu desenvolver-se dentro de si uma estranha “civilização” que utilizando a eugenia olhava para determinadas crianças consideradas “puras” de forma puramente instrumental para construir um “império ariano que duraria mil anos”, enquanto todas as outras eram consideradas seres inferiores e assim tratadas.
Ainda na actualidade, países asiáticos como a China, mantiveram até há pouco tempo políticas contra as crianças, através de um controlo apertado da natalidade que definiu a estratégia do filho único, havendo mesmo descrições de milhares de segundos filhos retirados aos pais após o nascimento por serviços de Estado e liquidados de seguida. Esta prática, negada oficialmente, mas ainda hoje praticada, tem levado ainda a uma distorção da pirâmide social, dado que as crianças mortas à nascença são maioritariamente meninas, que por lá parecem ter um valor social inferior ao dos meninos.
Desde sempre houve a tentação de aproveitar supostos “conhecimentos científicos” como suporte para as políticas mais estranhas relativamente à reprodução humana. O desejo do Homem de se tornar Deus e consequentemente ser dono da vida e também da morte (dos outros, claro) parece fazer parte do genoma de muita gente. Daí a necessidade de nos defendermos todos, bem como ao futuro dos nossos filhos, netos e seus descendentes, através de regras sociais, das quais faz parte precisamente a “Declaração dos Direitos da Criança” que está subscrita pela maioria dos países.
Entre nós parece que também nada está seguro para as crianças. Esta semana surgiu um artigo numa revista científica inglesa, o Journal of Medical Ethics em que os autores defendem que matar um bebé nos primeiros dias de vida não é muito diferente de fazer um aborto, pelo que os países que permitem o aborto deveriam aceitar também essa acção, pelos mesmos motivos, tratando-o como “aborto pós-nascimento”. Como razões, apontam que “quer um feto, quer um recém-nascido não têm o mesmo estatuto moral das pessoas, que é moralmente irrelevante o facto de feto e recém-nascido serem pessoas em potência e que a adopção nem sempre é no melhor interesse das pessoas”. Em consequência, bastaria que uma mãe declarasse que não podia tomar conta do bebé para que se pudesse matá-lo legalmente.
Os autores não colocam esta atitude de forma teórica, defendem-na mesmo, com razões supostamente científicas.
O leitor terá verificado que escrevi esta crónica de forma seca, tentando fugir a moralismos e adjectivações, embora a revista que publicou a aquela tese tenha o termo Ético no título. Precisamente porque acho que há matérias que perdem quando nos perdemos em discussões moralistas. E as crianças não são um eufemismo. São a nossa projecção no futuro e merecem todos e cada um dos direitos que já estão aprovados para valer para toda a Humanidade. Assim os saibamos defender, mesmo contra “cientistas sociais” abjectos que sempre houve e sempre haverá. Infelizmente.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Março de 2012

quinta-feira, 1 de março de 2012

Queda de 48% nas vendas de carros acentua tendência negativa do mercado

Queda de 48% nas vendas de carros acentua tendência negativa do mercado: O mercado automóvel sofreu no último mês uma nova queda abrupta nas vendas. Apenas 6932 ligeiros de passageiros foram vendidos em Fevereiro, menos 48,4% do número de automóveis comercializados em Fevereiro de 2011, quando as vendas já estavam em queda e o sector dava os primeiros sinais de contracção.

Política à americana








quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Tal e qual

(Des)União Europeia:


"Um bom divórcio é melhor do que um mau casamento" diz o ditado popular. É, de facto, verdade e aplica-se inteiramente ao caso grego. Com efeito, por muitos erros que os governantes helénicos tenham cometido - e cometeram-nos - o achincalhamento a que o seu povo está a ser submetido com as decisões do duo Merkosyl e a sugestão de Jean Claude Juncker, Presidente do Eurogrupo, para a nomeação de um Comissário Europeu para Atenas, são inadmissíveis.


Oxalá nenhum outro país deste belo conceito de Europa Unida - porque foi só um conceito e jamais foi uma realidade - se veja em semelhante contingência.


Tudo isto acaba por exemplificar bem, o que sempre temi, ou seja, as razões do meu antigo e profundo cepticismo relativamente à ideia de uma união europeia.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

FABRICAR O BOM E NECESSÁRIO



O azar de todos nós foi que no momento em que a crise financeira internacional eclodiu em 2008, a acumulação dos nossos erros económicos e financeiros das últimas duas décadas tinha atingido um tal volume que só nos deixava dois caminhos para reagir. Um deles, passava por meter travões a fundo, controlar de imediato a despesa pública corrente e esquecer todas as veleidades de investimento de rentabilidade mais que improvável, tais como TGV, novo aeroporto, novas auto-estrada, rotundas decoradas, pavilhões desportivos, centros de congressos, etc. Esse caminho era o difícil e poderia levar a resultados eleitorais desinteressantes para o governo da altura. O outro era a continuação em frente, com políticas financeiras desastradas, tentando responder à crise atirando-lhe para cima o dinheiro que, de facto, não tínhamos. Como foi este o caminho escolhido, rapidamente a dívida externa chegou aos 230% e o défice das contas públicas atingiu mais de 10% do PIB: o desastre completo, ainda que anunciado.
Agora temos dois problemas em simultâneo: o nosso e o do resto da Europa. Isto é, nada nos garante que, mesmo cumprindo as nossas obrigações, a actual situação venha a ter uma saída feliz.
A economia europeia sofre de muitos problemas, dado ser pouco competitiva perante o resto do mundo, particularmente o oriente (China, sobretudo, mas também Índia, Coreia e Japão). Mas há um problema crucial que cada vez mais surge como uma das causas dos actuais problemas: a capacidade produtiva instalada é claramente excessiva para a procura normal; dado que a procura tem descido a pique nos últimos dois anos, o problema torna-se ainda mais acentuado.
Um exemplo que demonstra à evidência os problemas da economia europeia é o da indústria automóvel, tão acarinhada pelos governantes europeus com enormes apoios financeiros para a sua instalação nos respectivos países.
No ano passado as vendas de automóveis na Europa baixaram drasticamente para o nível de 1997, o que significa menos 2,5 milhões vendidos do que em 2007, último ano da folia económica e financeira.
A análise das vendas e da sua evolução apresenta, no entanto, aspectos curiosos. Houve quem vendesse muito mais: os coreanos Hyunday e Kia. Além desses, os alemães também cresceram (Mercedes, BMW e VW/Audi). Todos os outros caíram a pique: franceses, italianos e japoneses. Isto é, os coreanos que estão a instalar cada vez mais fábricas no leste europeu (República Checa e Eslováquia) apresentam produtos baratos, de qualidade crescente e cada vez mais conformes ao gosto europeu, com o sucesso que vemos nas estradas. Os fabricantes generalistas europeus encontram cada vez mais dificuldades em colocar os seus automóveis, embora recorram a descontos drásticos. Os modelos mais baratos dos fabricantes alemães conseguem mesmo entrar no mercado dos generalistas com uma facilidade espantosa, como se vê com os Minis da BMW, os Audi A1 e Mercedes classe A, apesar de serem mais caros que os equivalentes da concorrência.
Por outro lado, em termos de vendas no mercado gigantesco que é a China, a diferença é ainda mais abissal. Os fabricantes alemães vendem lá tudo o que conseguem produzir, porque a diferença de qualidade dos seus produtos para os outros é patente, não só nas mecânicas, mas também no design, que todos os outros tentam imitar. Ao contrário, os outros fabricantes europeus muito dificilmente conseguem vender na China.
Isto é, os fabricantes generalistas europeus estão neste momento a fabricar carros médios de qualidade mas pouco competitivos perante os “Premium” e perante os mais baratos que vêm da Ásia: é o que se chama ficar ensanduichado. O excesso de produção instalada devido, por um lado a apoios dos governos, por outro a uma ideia de crescimento económico sem fim, está a ditar prejuízos gigantescos e vai certamente provocar, a muito curto prazo, centenas de milhares de despedimentos por toda a Europa.
Como acontece nos automóveis, há que investir em produção de bens transaccionáveis de qualidade superior, design, sofisticação e adequados à procura. O resto do mundo não perdoa, se se persistir no erro de produzir o que os outros fazem mais barato.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Fevereiro de 2012