Em Maio de 2011, na negociação com a União Europeia e com o FMI com vista a chegar a acordo na elaboração do “Memorando de Entendimento” e conseguir dinheiro para o Estado pagar as suas despesas do mês seguinte, o Governo liderado por José Sócrates assumiu o compromisso de atingir “um défice das Administrações Públicas não superior a 5.224 milhões de euros em 2013”. Para chegar a esse objectivo, o Governo socialista comprometeu Portugal a reduzir despesas do Estado em diversos sectores, já em 2012, designadamente no funcionamento da administração central, na racionalização da educação e da rede das escolas, no decréscimo do nº de trabalhadores nas diversas administrações central e locais, do sector da saúde, etc. Dispenso-me de apontar os números gigantescos, que também lá estão no memorando de entendimento e que constituem a austeridade que conhecemos.
No fim de 2010, a dívida pública era de 173.000 milhões de euros, valor que resultou de uma duplicação da mesma em apenas dez anos o que, associado a um défice das contas públicas exageradíssimo, nos atirou para os braços dos agiotas internacionais que compram e vendem dívidas públicas. Em consequência da aplicação das medidas constantes no Memorando, os especialistas dizem que o défice de funcionamento do Estado neste momento já quase não existe, descontando os juros da dívida pública. E aí reside o busílis da questão. De facto, a violenta austeridade que nos foi imposta pelo Memorando de Entendimento está a dar os resultados pretendidos naquele documento. Só que o montante dos juros a pagar pela dívida pública, a que existia resultante dos desmandos anteriores mais a que estamos a assumir por via do tal entendimento com a troika que nos empresta dinheiro em vez dos mercados internacionais é muito alto; tão alto que todo o país está sufocado e sem capacidade de reagir para crescer o mínimo necessário à recuperação económica. Portugal sofre de anemia gravíssima e necessita de ferro que dê a todo o seu corpo o oxigénio suficiente para viver.
O actual Governo tem feito os possíveis e os impossíveis (até mesmo socialmente inaceitáveis) para cumprir o caderno de encargos que lhe foi entregue pelo anterior.
O povo português tem aguentado a canga de uma forma impressionante, pelo seu estoicismo.
Mas há limites para tudo. Começa a estar provado que o peso do “Memorando de Entendimento” é demasiado para o país, pelo que tem que ser denunciado como prejudicial a partir de certo ponto, o qual suspeito que está prestes a ser atingido. Quem o negociou fê-lo depois de se terem passado todos os prazos normais para o fazer vendo-se, por isso mesmo, obrigado a aceitar tudo, mas tudo, o que os elementos da Troika imaginaram que podiam impor a Portugal.
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A questão é mostrar que os objectivos do “Memorando de Entendimento” só poderão mesmo ser conseguidos através de novas condições internacionais que permitam o aliviar do serviço da dívida e a retoma económica num quadro em que os mercados tenham a garantia de que Portugal honra os seus compromissos financeiros e faz de facto as reformas públicas a que se comprometeu perante a Troika. Não se trata de renegociação do Memorando, mas sim da negociação permanente exigida por uma situação limite do país, chame-se-lhe refundação, ou o que se quiser.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Novembro de 2012