segunda-feira, 12 de novembro de 2012

NEGOCIAÇÃO PERMANENTE (OU REFUNDAÇÃO)



Em Maio de 2011, na negociação com a União Europeia e com o FMI com vista a chegar a acordo na elaboração do “Memorando de Entendimento” e conseguir dinheiro para o Estado pagar as suas despesas do mês seguinte, o Governo liderado por José Sócrates assumiu o compromisso de atingir “um défice das Administrações Públicas não superior a 5.224 milhões de euros em 2013”. Para chegar a esse objectivo, o Governo socialista comprometeu Portugal a reduzir despesas do Estado em diversos sectores, já em 2012, designadamente no funcionamento da administração central, na racionalização da educação e da rede das escolas, no decréscimo do nº de trabalhadores nas diversas administrações central e locais, do sector da saúde, etc. Dispenso-me de apontar os números gigantescos, que também lá estão no memorando de entendimento e que constituem a austeridade que conhecemos.
No fim de 2010, a dívida pública era de 173.000 milhões de euros, valor que resultou de uma duplicação da mesma em apenas dez anos o que, associado a um défice das contas públicas exageradíssimo, nos atirou para os braços dos agiotas internacionais que compram e vendem dívidas públicas. Em consequência da aplicação das medidas constantes no Memorando, os especialistas dizem que o défice de funcionamento do Estado neste momento já quase não existe, descontando os juros da dívida pública. E aí reside o busílis da questão. De facto, a violenta austeridade que nos foi imposta pelo Memorando de Entendimento está a dar os resultados pretendidos naquele documento. Só que o montante dos juros a pagar pela dívida pública, a que existia resultante dos desmandos anteriores mais a que estamos a assumir por via do tal entendimento com a troika que nos empresta dinheiro em vez dos mercados internacionais é muito alto; tão alto que todo o país está sufocado e sem capacidade de reagir para crescer o mínimo necessário à recuperação económica. Portugal sofre de anemia gravíssima e necessita de ferro que dê a todo o seu corpo o oxigénio suficiente para viver.
O actual Governo tem feito os possíveis e os impossíveis  (até mesmo socialmente inaceitáveis) para cumprir o caderno de encargos que lhe foi entregue pelo anterior.
O povo português tem aguentado a canga de uma forma impressionante, pelo seu estoicismo.
Mas há limites para tudo. Começa a estar provado que o peso do “Memorando de Entendimento” é demasiado para o país, pelo que tem que ser denunciado como prejudicial a partir de certo ponto, o qual suspeito que está prestes a ser atingido. Quem o negociou fê-lo depois de se terem passado todos os prazos normais para o fazer vendo-se, por isso mesmo, obrigado a aceitar tudo, mas tudo, o que os elementos da Troika imaginaram que podiam impor a Portugal.
Adicionar legenda
Tendo o actual Governo cumprido aquilo a que o anterior o obrigou e demostrado a boa-fé na vontade concreta de colocar as contas do país nos eixos, cabe-lhe agora sacudir a cabeça e encontrar novas soluções internacionais para o problema da dívida pública. A questão não é renegociar para piorar ainda mais as condições futuras, como vejo ser exigido pelas Esquerdas mais esquerdas e pelas Direitas mais direitas.
A questão é mostrar que os objectivos do “Memorando de Entendimento” só poderão mesmo ser conseguidos através de novas condições internacionais que permitam o aliviar do serviço da dívida e a retoma económica num quadro em que os mercados tenham a garantia de que Portugal honra os seus compromissos financeiros e faz de facto as reformas públicas a que se comprometeu perante a Troika. Não se trata de renegociação do Memorando, mas sim da negociação permanente exigida por uma situação limite do país, chame-se-lhe refundação, ou o que se quiser.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Novembro de 2012

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

COIMBRA, CAPITAL NA REGIÃO CENTRO



A linguagem é uma ferramenta poderosa para a comunicação. Por vezes, a troca de uma pequena palavra dá todo um novo significado a uma expressão. Há poucos dias, numa tertúlia sobre a nossa Cidade, alguém interveio sobre o papel de Coimbra na região Centro e afirmou que Coimbra deve ser a capital na região. Na região e não da região, como se costuma dizer. E a alteração pode parecer puramente semântica, mas é significativa e traz consequências, se for levada à letra pelos responsáveis políticos da Cidade.
Significa que Coimbra deverá assumir-se verdadeiramente como capital, não pode ser apenas a primeira entre as outras, que o é, por razões históricas e geográficas. Por razões históricas, porque é a cidade portuguesa mais ligada à nacionalidade, desde a fundação até aos dias de hoje, com tudo o que isso significa de património material e imaterial. Durante muitos séculos Coimbra albergou a única Universidade portuguesa, o que teve consequências muitas vezes imprevisíveis e curiosas como a existência do Brasil como um único país ao contrário das colónias sul americanas de origem espanhola que se dividiram em muitos países independentes. As razões geográficas são evidentes, desde a localização central até à população residente, muito superior a todas as outras cidades da Região, das quais apenas Leiria também ultrapassa os cem mil habitantes concelhios.
Para que Coimbra seja capital na Região e não apenas a capital da região, tem que se assumir a si própria como tal. Em primeiro lugar tem que se organizar de acordo com as cidades que hoje se projectam no futuro. Não pode lamentar o que foi ou o que perdeu. Tem que olhar para si e perceber como se desenvolveu, como se foi reorganizando internamente e quais são as suas vantagens competitivas actuais. Coimbra já não é uma cidade com um único centro, ainda que histórico e riquíssimo em património, centro esse a necessitar de uma cara e extensa regeneração urbana, já suficientemente estudada e planeada. A habitação e as actividades económicas, incluindo o comércio e os serviços foram-se organizando em novas centralidades que formaram outros tantos centros urbanos. Vastas zonas foram abandonadas devido à evolução das actividades económicas, com ocupação de novas áreas mais bem adaptadas às novas necessidades. Gerir a Cidade com perspectiva estratégica, significa entender esta nova realidade e potenciar as conexões entre todos estes centros que existem, se interpenetram e devem funcionar como um todo harmonioso.
Mas Coimbra tem também que se virar para fora e assumir-se como a única cidade das Beiras com potencial e capacidade para dar a cara pela Região Centro. Hoje em dia uma capital não se pode impor pela força ou por decreto. Antes deve ter a humildade dos fortes, que é oferecer o que tem para apoiar os outros, dando assim mais força ao conjunto; isto não se deve passar ao nível de associações artificiais e redutoras de municípios de “baixo mondego” ou “pinhal litoral” ou das outras denominadas NUT III, e sim da Região Centro que é a que pode impedir o ensanduichar entre as grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Quem perceber isto e o levar à prática demonstrará verdadeira liderança. O actual presidente da Câmara de Coimbra, embora não tenha sido eleito como tal, mostra reunir todas as condições pessoais para o fazer, caso se candidate no próximo ano. Assim queira e consiga reunir equipas com os melhores, que conheçam a realidade concreta e tenham capacidade de propor as mudanças necessárias.
Coimbra precisa de se afirmar da forma que acima descrevi, interior e exteriormente. A Região Centro precisa de Coimbra para sair do torniquete de subdesenvolvimento relativo a que tem estado sujeita. Massa crítica humana há, com pessoas mais do que capazes, independentemente de inscrição em partidos. Que seja utilizada da melhor forma é o que se espera para um futuro que não existe ainda, mas que será fruto das escolhas do presente.

domingo, 28 de outubro de 2012

COIMBRA NO SEU MELHOR




Acompanhado por assistências numerosas e interessadas, o núcleo de Coimbra dos mais representativos cultores de guitarra portuguesa acompanhou de forma participada os diversos eventos integrados nos VI Encontros de Guitarra Portuguesa que decorreram durante toda a passada semana em Coimbra, promovidos e organizados pela Orquestra Clássica do Centro. Desde o notável Concerto de abertura com a OCC e o solista em guitarra portuguesa Artur Caldeira até ao Concerto de encerramento dedicado a Francisco Martins, com Paulo Vaz de Carvalho, David Lloyd, Bruno Costa e Eddy Jam entre outros, foi enorme a variedade de tipos de música e interpretações, tendo sempre presente a guitarra portuguesa designadamente na sua versão de Coimbra. Assistiram-se a momentos de enorme virtuosismo interpretativo que por vezes raiou mesmo a genialidade.
Nestes Encontros foi possível ouvir peças escritas propositadamente para guitarra e orquestra, incluindo uma peça inédita da autoria de Marina Pikoul, que transportam a guitarra portuguesa para o patamar de instrumento orquestral, para além da sua função mais clássica de acompanhamento de canções ou de participação em guitarradas. Será assim possível ouvir a guitarra portuguesa em todo o mundo, já que a existência de partituras permitirá a qualquer orquestra clássica incluir essas peças no seu repertório. Marina Pikoul que escreveu a lindíssima peça “Em Memória da Madrugada em Coimbra” é bem o exemplo de como, mesmo depois de uma carreira brilhante a nível de interpretação e composição, com prémios por todo o mundo a começar na sua própria terra, alguém sabe manter a humildade, sem se tentar impor a não ser pela qualidade do trabalho.
Os Encontros percorreram vários locais, desde o Pavilhão Centro de Portugal ao café Stª Cruz e ao Fado ao Centro no Quebra Costas. Foi assim que se chegou a diversos públicos, incluindo turistas e moradores da Baixa de Coimbra que, de forma entusiasmada aderiram aos espectáculos aí realizados.
Pelo meio, foi possível ver e participar numa acção inédita e altamente significativa pelo seu simbolismo. Duas tunas de estudantes, “As Mondeguinas” e a Tuna da Faculdade de Medicina dedicaram uma serenata a Francisco Martins, cultor da Guitarra de Coimbra e autor da famosa Canção da Primavera. Foi um momento de rara carga emotiva que demonstrou como a canção e a Guitarra de Coimbra têm ainda hoje um papel importante na vida dos estudantes da nossa Universidade, de como a juventude continua a ser generosa e solidária e de como há em Coimbra quem resista e honre os seus melhores.
De Bruxelas vieram dois músicos irmãos, Miguel e Philippe Raposo, que demonstraram como a guitarra portuguesa associada à clássica pode, partindo do repertório da música de Coimbra, atingir novas e surpreendentes sonoridades e emoções.
Nas próximas semanas Coimbra vai ter um conjunto de espectáculos musicais a que se dá o nome de Festival de Música de Coimbra. O único concerto orquestral previsto estará a cargo de uma orquestra constituída por alunos de uma escola profissional de Espinho. Em qualquer cidade com uma orquestra profissional residente, ainda por cima apoiada financeiramente pela Autarquia, a organização de um Festival de Música não deixaria de estar a cargo dessa entidade; em Coimbra, não só isso não acontece como, para o único concerto orquestral é chamada uma orquestra de uma escola. Não fora isto tudo apenas um pouco risível e apeteceria comentar Coimbra no seu pior; na realidade, trata-se apenas de algo para que a História se encarregará de encontrar rapidamente o seu lugar.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Outubro de 2012

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Enganos e Desenganos


“Estavas, linda Inês, posta em sossego
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito”
Camões

De enganos e desenganos está a História cheia. Alguns enganos atingem tanta gente e de uma forma tão profunda e duradoura que a descoberta da verdade é um choque dificilmente admitido.
Até há poucos dias, dificilmente se encontraria desportista mais admirado do que o ciclista norte-americano Lance Armstrong que na sua juventude venceu um cancro de forma dramática, tendo demonstrado uma força de vontade e resistências física e anímica impressionantes. Sendo um desportista de topo, decidiu abalançar-se à mais emblemática e difícil das provas de ciclismo a nível mundial: a Volta à França. São 21 etapas corridas em três semanas, somando 3.500 km de todo o tipo de percursos, incluindo subida e descida de montanhas impressionantes, como os Alpes e os Pirinéus. Venceram-na mais que uma vez figuras míticas como Jacques Anquetil, Eddy Merckx, Bernard Hinault ou Miguel Indurain. Pois Armstrong venceu a prova em 1999 e repetiu a proeza todos os anos até 2005: sete vitórias consecutivas, um feito nunca antes sequer sonhado que o colocou no topo do desporto mundial. Mas Lance Armstrong não se ficou por aqui tendo criado uma Fundação para apoiar pessoas atingidas pelo cancro, a Livestrong que, até hoje, já apoiou cerca de 2,5 milhões de pessoas. Armstrong tornou-se um mito global, um exemplo apontado à juventude em todo o mundo.
Nos últimos dias o mundo assistiu atónito ao desmoronar do mito Lance Armstrong. Descobriu-se que o ciclista participou num sofisticado esquema de doping durante mais de dez anos, que lhe permitiu obter aqueles extraordinários resultados. É um mundo inteiro que, perplexo, descobre que foi deliberadamente enganado e que as autoridades que controlam o doping também se mostraram incapazes de evitar a situação. Em consequência, foram-lhe retirados todos os títulos desportivos obtidos desde 1999 e foi proibido para sempre de voltar a participar em provas desportivas.
O engano é ainda maior porque Lance Armstrong sempre se assumiu como um atleta livre de drogas e apresentava os seus sucessos como um exemplo para os desportistas que querem ir mais longe e mais rápido apenas através do seu esforço e vontade de vencer.
Este enorme desengano coloca imensas questões e levanta as maiores dúvidas sobre os resultados desportivos dos atletas de alta competição e mesmo sobre tudo aquilo em que o desporto se tornou.
Por outro lado, os jovens perderam um referencial. Como explicar às crianças o sucedido, sem que lhes fique a sensação de que todo o mundo é um engano? Como fazer entender que não se deve enganar e mentir para obter resultados, seja nos estudos, seja no desporto, seja no trabalho? E como explicar que o problema não está em ser descoberto, mas em praticar o mal? E que o desporto é importante se entendido como uma forma salutar de manter a boa forma física através da competição e não um negócio?

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Outubro de 2012

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Encontros em Coimbra (na Baixa)


Drogas legais


Quem passar à porta de umas lojas que têm surgido como cogumelos pelas nossas cidades, ficará certamente surpreendido com o elevado nº de jovens que saem delas depois de terem comprado produtos à primeira vista inócuos como “fertilizantes para plantas”, “incensos” “sais de banho” ou mesmo “chás”.
São as chamadas “smartshops” que estão a inundar as ruas com drogas sintéticas cujos efeitos são comparáveis às drogas proibidas já velhas conhecidas. Para além das designações enganadoras, os vendedores ainda se dão ao luxo de colocar avisos nas embalagens de que os produtos não são para consumo humano, que devem ser mantidos longe das crianças, etc.
Sem o imaginarem, aqueles compradores entram num labirinto de enganos e perigos que podem causar grandes danos à sua saúde de forma irreparável, ou mesmo a morte. O facto de as compras serem feitas em lojas abertas ao público tem duas consequências assinaláveis sobre o comportamento dos clientes: em primeiro lugar, oferece uma sensação de segurança impossível de ter quando se compram drogas proibidas em zonas inseguras e a fornecedores muitas vezes eles próprios assustadores; por outro lado, o simples facto de essas lojas estarem abertas convence os jovens de que os produtos não têm problemas porque se hoje em dia a sociedade tem tanta preocupação com a qualidade de tudo o que se vende, também neste caso isso se verificará.
Nada de mais errado: esta é uma segurança enganadora. As substâncias contidas naqueles saquinhos com figuras infantilizantes no exterior estão fora de qualquer controlo higio-sanitário. São drogas sintéticas fabricadas em laboratórios que depois as distribuem por toda a Europa. Aquelas embalagens de pó ou pastilhas podem conter até mais de duzentas substâncias, sem qualquer controlo de qualidade e ninguém consegue sequer saber com exactidão o que contêm. Se o comprador de heroína ou cocaína pode estabelecer um padrão de “qualidade do produto”, isso é absolutamente impossível para estas novas drogas legais. E os seus efeitos sobre os consumidores são frequentemente devastadores.
E a sua venda é legal, porquê? Porque os laboratórios que as produzem andam à frente da Lei nos diversos países enredados em burocracia. Quando o processo legal de um país, como por exemplo Portugal, coloca uma substância na lista dos produtos cuja venda é proibida, os laboratórios, mantendo o núcleo essencial da fórmula, logo efectuam pequenas alterações na estrutura molecular, do que resulta uma nova substância ainda não proibida; e por aí adiante.
O que mais impressiona nisto tudo, para além da hipocrisia generalizada de que se reveste, é a incapacidade ou mesmo falta de vontade dos responsáveis políticos e de saúde pública para, concertadamente, enfrentarem o problema. O que se vê é esconder e virar a cara, para além de desconhecimento generalizado. Nem sequer há estatísticas de mortes associadas a este problema, porque a medicina legal não faz testes de despistagem destas drogas. Os consumidores podem mesmo conduzir veículos à vontade, porque os testes de detecção de drogas não contemplam estes produtos.
Para além de avisar os jovens para os perigos a que se sujeitam ao consumirem estas “drogas legais”, é necessário alertar as autoridades responsáveis e exigir que tomem urgentemente uma posição séria perante este novo flagelo que a ganância de uns e a inércia de outros faz abater sobre a juventude.