O termo “narrativa” entrou subitamente como um furacão na linguagem comum. Dos dicionários aprendemos que uma narrativa é uma história contada por alguém, relatando um conjunto de acontecimentos, reais ou imaginários, com intervenção de uma ou mais personagens num espaço e num tempo determinados (Dic. Priberam de Língua Portuguesa). Em política, começou-se a chamar “narrativa” à interpretação da realidade feita pelos adversários, logo longe da realidade. Foi assim que, numa entrevista recente, um político que teve grande relevância até há pouco tempo, atribuiu essa designação de forma obsessiva a todas as intervenções que não lhe interessavam. Mesmo as perguntas feitas com intuito obviamente jornalístico, passaram a ser parte de determinada “narrativa” que pretenderia construir uma interpretação errada ou mesmo falsa do que tem acontecido no país nos últimos anos: a utilização da velha técnica de não responder a uma pergunta, antes interpretando o interesse do perguntador em formulá-la.
A tal narrativa dos jornalistas reflectiria apenas que os actuais detentores do poder político, teriam montado toda uma ficção sobre o que tem acontecido em Portugal primeiro, para tomarem o poder, e depois para procederem a uma sistemática e desejada destruição do país.
O autor desta tese, embora possa ter aprendido muita filosofia política em pouco tempo, no seu afã de proceder à sua vingança pessoal não se dá conta de várias coisas. Em primeiro lugar, ao classificar qualquer outra perspectiva da realidade como uma “narrativa”, está-se a colocar na posição de querer impor a todo o custo a sua própria “narrativa” que não passa disso mesmo: a sua narrativa. A introdução do relativismo exacerbado na análise política distorce a realidade, escondendo a verdade dos acontecimentos sob um monte de manipulações e misturas de mentiras com meias verdades. E a longo prazo isso não pode ser bom para ninguém, incluindo os próprios manipuladores.
Depois, todos conhecemos bem a tentação em reescrever a História. Isso tem sido feito ao longo dos tempos das mais diversas formas. Desde as crónicas antigas, até às memórias escritas pelos modernos líderes políticos no fim das suas vidas públicas, puxando pelos aspectos positivos e eliminando ou amenizando outros. Temos ainda os processos mais radicais, como fazia Estaline ao limpar das fotografias oficiais os camaradas caídos em desgraça.
Mas há algo mais perigoso para o próprio protagonista quando ele pretende ainda, e de forma evidente continuar a ser interveniente activo, cavalgando tudo e todos de forma brutal, incluindo aqueles que lhe sucederam politicamente. Vivemos numa sociedade aberta, e se alguns ainda têm medos ancestrais do poder ou de quem o possa vir a ter, a verdade tem hoje processos de vir ao de cima, sem contemplações. E quem pretende reescrever a História impondo as suas narrativas a toda a força, arrisca-se a ter um choque frontal e violento contra a realidade dos factos indesmentíveis e patentes à frente de toda a gente. A meu ver, é isso mesmo a que estamos todos a assistir neste momento. O que se vai suceder não será certamente muito bonito de se ver mas será a prova de que não é possível enganar toda a gente durante o tempo inteiro.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Abril de 2013