A ilha de Chipre localizada estrategicamente no Mediterrâneo, bem perto do Médio Oriente e que desde 1974 se encontra dividida entre gregos e turcos, experimentou na semana passada os efeitos uma nova arma financeira comandada a milhares de quilómetros de distância. Face aos apertos do sistema financeiro cipriota, a Alemanha resolveu inventar uma nova solução e levar o Eurogrupo a impô-la aos cipriotas: um imposto directo sobre todos os depósitos bancários.
Mais uma vez um país
está refém dos desmandos do seu sistema financeiro, isto é, dos seus bancos. Ao
longo dos anos, este pequeno país com cerca de 800.000 habitantes viu os seus
bancos crescer de uma forma perfeitamente desmesurada. Num país com um produto a
rondar os 18 mil milhões de euros, o que representa apenas 0,2% da economia da
zona euro, o sistema bancário chegou a deter 128 mil milhões de activos. Claro
que isso foi resultado de uma política agressiva de atracção de capitais
através de baixa taxação e de altos juros, que se aproximou muito de fábrica
internacional de lavagem de dinheiro, intensamente aproveitada por russos e
árabes. Os bancos cipriotas investiram muito desse dinheiro em dívida pública
grega, pelo que a famosa renegociação dessa dívida com os credores privados
levou inexoravelmente à sua pré-falência obrigando-os, por sua vez, a
renegociar as dívidas aos seus depositantes. Contas feitas, a necessidade de
fundos para equilibrar o barco será de 15,8 mil milhões de euros, coisa até
pequena face aos valores dos resgates da Grécia, de Espanha e até de Portugal.
Sucede, no entanto, que
desta vez a Troika, seguindo a “sugestão” alemã, resolveu inovar no “desenho”
da solução. Se aprovava um empréstimo de 10 mil milhões, para o valor restante
resolveu não ficar à espera dos resultados de reformas e encontrou uma maneira
de obrigar Chipre a obter de imediato os restantes 5,8 mil milhões, através de
um imposto sobre todos os depósitos bancários. Deixando em paz os accionistas
dos bancos e os responsáveis pela regulação que, mais uma vez, ficaram a
descansar na forma, a troika enviou um drone comandado pelos eurocratas que
tudo definem a partir dos seus gabinetes em Bruxelas.
O parlamento cipriota
rejeitou liminarmente esta solução, o que levou a que o governo tentasse
negociações com a Rússia que se revelaram igualmente infrutíferas. Um plano
alternativo apresentado a Bruxelas foi igualmente recusado. Entretanto, foi
possível ouvir ameaças claras absolutamente insuportáveis para um país
soberano, ainda que necessitando de apoio financeiro, ao proibir-se Chipre de
encontrar solução fora da troika e ameaçando com a paciência da mesma (melhor
dizendo, da falta dela). Suspeita-se que pelo meio estarão os interesses russos
sobre o gás natural cipriota cobiçados igualmente pela Alemanha, hoje em
completa dependência da Rússia nesse aspecto.
Toda esta história, que
ainda não terminou, põe em cima da mesa pelo menos três aspectos que nos
interessam directamente: o sistema bancário europeu continua a ser fonte de
problemas gigantescos para todos, excepto os donos dos bancos; os burocratas de
Bruxelas perderam todos os pruridos para obter os seus fins, inclusivé
enterrando a Democracia; por fim, e com pena o digo, não estamos livres de que
num dia destes Bruxelas não envie um drone para Lisboa e outras capitais com os
mesmos comandos do que foi até Nicosia confiscar os depósitos particulares.
Isto porque no Eurogrupo todos aprovaram essa medida, incluindo Portugal, pelo
que depois não se poderão queixar, quando o drone os visitar.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Março de 2013
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Março de 2013
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