segunda-feira, 1 de julho de 2013

Anarquia financeira





Dominique Strauss Khan emergiu momentaneamente do seu desaparecimento da vida pública para anunciar solenemente, em pleno Senado francês, que “o sistema financeiro internacional não está na origem da crise económico-financeira”. Palavras a ter em conta, porque vindas de alguém que foi ministro das Finanças no seu país e foi, acima de tudo, Director Geral do FMI até há dois anos, altura em que submergiu num mar de escândalos pessoais de vária ordem. DSK, como é conhecido em França, defende que não é o sistema financeiro que está errado, sendo “o comportamento dos que o utilizam o verdadeiro problema”.
Na realidade, todos nos lembramos bem onde começou esta crise em 2008 e foi exactamente no sistema financeiro americano, tendo alastrado rapidamente a todo o mundo, com repercussões muito graves na nossa União Europeia, onde continua a não querer terminar e a causar danos que demorarão décadas a superar.

Que muitos responsáveis pelas instituições financeiras não são de confiar, já se tinha percebido pelos comportamentos demasiado evidentes de banqueiros sem escrúpulos com vencimentos e prémios indecorosos ligados precisamente a objectivos de prazo imediato contrários à saúde do sistema financeiro. A revelação do teor de conversas telefónicas durante o auge da crise em 2008 entre responsáveis de topo de um dos maiores bancos irlandeses, o AIB (Anglo Irish Bank) veio mostrar ao mundo como funciona o sistema financeiro e a forma chocante como trabalham os seus maiores “responsáveis”. O CEO do AIB fugiu da Irlanda para os Estados Unidos onde abriu falência, para não pagar as suas dívidas pessoais ao banco, no montante de 8,5 milhões de euros.
Mas isto não é nada. No processo de resgate do banco que começou por um valor estimado de 7,5 mil milhões de euros, o Estado assegurou garantias de 30 mil milhões de euros que saem obviamente dos bolsos dos contribuintes irlandeses. Como entre cá o Estado deu a mão ao BPN para “evitar um risco sistémico” que na realidade não existia, passando rapidamente de um valor de 400 milhões de euros para quase 8 mil milhões de euros. Para não falar no caso estranho do investidor que conseguiu um empréstimo da CGD de quase mil milhões de euros para comprar acções do BCP que hoje não valem nem cem milhões, tendo a CGD aceite as próprias acções como garantia. O leitor já está mesmo a ver quem assegura o pagamento desta “imparidade”: claro que nós todos, mais cedo ou mais tarde, andando os responsáveis para aí a rir-se.

Poderia encher as páginas deste jornal inteiro com casos semelhantes, só desde 2008, mas penso não valer a pena. Se os banqueiros têm comportamentos generalizados destes é certamente porque o sistema, não só o permite, como ainda acaba por não punir a maior parte dos prevaricadores. DSK terá alguma razão, mas por algum motivo tenta distrair os ouvintes do essencial: o sistema financeiro, particularmente o europeu tal como está não serve, os responsáveis políticos não são capazes de o consertar e são os contribuintes de todos os países que pagam tudo isto, à custa do seu modo de vida.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Julho de 2013

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Um futuro possível

A inscrição da “Universidade de Coimbra-Alta e Sofia” na lista do Património Mundial da Humanidade concretizada pela Unesco há dois dias não vem acrescentar nada ao passado da Universidade de Coimbra. Mas vem sublinhar e reconhecer, a nível mundial, algo que por cá já todos nós sabíamos: o valor e importância que a Universidade de Coimbra tem, não só a nível de património construído, mas também pelo papel notável que desempenhou na História de Portugal e da Humanidade. E sabe certamente bem a todos os que tornaram esta classificação uma realidade e muitos foram, a nível técnico, a nível político e a nível universitário: estão todos de parabéns e a Cidade deve-lhes o reconhecimento.
Mas esta classificação deve ser um ponto de partida. É certo que a Unesco não vai trazer directamente dinheiro para Coimbra. Mas o reconhecimento da Universidade como património mundial vai potenciar de forma decisiva o movimento de turistas que irão querer conhecer pessoalmente este “Bem”. E esta circunstância coloca-nos perante o início de novo período para a Cidade, sendo necessário definir uma estratégia para o seu desenvolvimento futuro, que tenha esta nova situação em devida conta.
Vários elementos programáticos sectoriais estão já estudados e aprovados ou em vias de aprovação, tornando-se agora necessária uma visão e uma estratégia global. As Áreas de Reabilitação Urbana já aprovadas e em início de implementação, o Plano Estratégico da Cidade e o Plano Director Municipal revisto juntam-se a regulamentos específicos para a realização de obras em edifícios situados na zona de protecção do “Bem” agora classificado. Numa cidade que tem um património com esta importância não mais se pode permitir que a “cultura”, o “turismo” e mesmo a “reabilitação” do centro histórico tenham caminhos separados vagamente ligados num tronco comum. Estas áreas envolvem saberes próprios e específicos existentes a nível autárquico que devem ser aproveitados, mas que politicamente devem ser unidos para que daqui a vinte anos os cidadãos possam dizer que a classificação da Unesco não só reconheceu algo que já existia, mas que potenciou toda uma recuperação do Centro Histórico, trazendo nova vida a nível de moradores, de comércio e de actividades económicas ligadas ao turismo e à cultura que criaram emprego gerando enorme riqueza para Coimbra.
Uma estreita ligação entre a Autarquia e a Universidade qu

e já existe actualmente, é necessária e crucial, não só para a gestão do “Bem” classificado, mas para a construção comum do futuro de toda a Cidade, em volta da sua velha escola, nunca esquecendo que uma urbe não pode ser um museu, mas que existiu, existe e deverá existir em função das suas gentes. O estado de degradação absolutamente lamentável a que se deixou chegar o património edificado de uma parte constituinte do bem classificado, a Rua da Sofia, vai exigir esforços comuns não só a nível de estudos mas também, e sobretudo, no encontrar de soluções financeiras para a recuperação sustentável dos seus Colégios.
 A inclusão da Rua da Sofia na candidatura faz todo o sentido. A sua construção teve precisamente como justificação a instalação dos Colégios da Universidade, por volta de 1535, aquando da vinda definitiva da Universidade para Coimbra decidida por D. João III. O êxito desta classificação passará muito pelo que acontecer na Rua da Sofia daqui para a frente e da forma como potenciará, ou não, a regeneração urbana de toda a Baixa.


Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Junho de 2013

segunda-feira, 17 de junho de 2013

1984 em 2013

A queda do muro de Berlim em Novembro de 1989 sinalizou o fim dos regimes comunistas e da Guerra Fria que, desde o fim da II Grande Guerra em 1945, manteve a sorte do mundo num fio da navalha.
Acabava também um mundo bi-polar em que duas grandes potências disputavam a supremacia militar, mas também económica e política. Foi aliás a evolução económica do bloco ocidental que não parou de crescer desde os anos cinquenta de forma exponencial a ditar aquele resultado, por exaustão do bloco de Leste que orientava todas as suas energias para a manutenção do equilíbrio militar, o que a certa altura se tornou manifestamente impossível.
O mundo acordou subitamente diferente, sem a ameaça permanente de um conflito militar global, mas com uma única superpotência. Não passaram muitos anos sem que novas ameaças surgissem.
Em Setembro de 2001 os Estados Unidos foram feridos no seu orgulho de líderes quando o seu território foi pela primeira vez na História palco de um autêntico acto de guerra. A reacção brutal e violenta que se seguiu e que se assemelhou à resposta de um grande animal mordido no pé não causou surpresa, a não ser pela falta de objectividade e até de eficácia, estando ainda hoje o Afeganistão e o Iraque em situação de guerra latente na sequência das intervenções americanas.
Em 2008 surgiu finalmente uma crise económica e financeira a nível global diferente de todas as anteriores, quer pela sua intensidade, quer pela duração. É hoje reconhecido que a finança mundial se aventurou por caminhos antes impensáveis, com consequências desastrosas no mundo económico através da formação de bolhas especulativas que rebentaram nas mãos de quem menos supunha que existissem sequer.
Muitos países se deixaram ir igualmente no canto da sereia e endividaram-se de tal forma que entregaram a própria soberania para tentarem segurar-se num mundo cujas regras são hoje ditadas pelos mercados globais.
Mas outra consequência do fim da Guerra Fria se foi desenvolvendo de forma larvar, tendo surgido há poucos dias à luz do dia de forma impressionante, embora se pense que é apenas a ponta do iceberg. Se até 1989 os diversos Serviços Secretos desenvolviam a sua actividade de uma forma controlada, pelo equilíbrio de forças e a existência de “regras” assumidas, como aliás John Le Carré bem descreveu nos seus livros, o desaparecimento de um dos lados deixou à solta o que ficou sozinho. O seu adversário passou a ser o mundo inteiro, como se sabe agora com a divulgação na imprensa da acção da NSA, agência de segurança nacional americana.
Basicamente, os cidadãos de todo o mundo passaram a ser objecto de espionagem sistemática por parte dos americanos. Eu, o leitor e toda a gente que o leitor conhece e não conhece temos actualmente as chamadas telefónicas por telemóvel, por skype, VOIP, etc., as mensagens electrónicas (mail), as conversas e mensagens nas redes sociais, fotografias e tudo o mais que possa imaginar vasculhadas sistematicamente pelos serviço secretos americanos. Para cúmulo, a NSA nem faz todo o trabalho sozinha, por manifesta dificuldade tecnológica, contratando para esse serviço diversas empresas privadas, como as de telecomunicações.
Estamos em 2013 e não em 1984 e temos que reconhecer com tristeza que o único erro de George Orwell foi de data e não de substância.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Junho de 2013

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Cidade virada ao futuro



A afirmação de que a competição internacional se faz hoje em dia pelas cidades tornou-se um lugar-comum, pela sua evidência. Muito mais num espaço económico aberto como é a Europa. Se tal é evidente, já não o é tanto o caminho para que uma cidade média localizada num país periférico, como é o caso de Coimbra, consiga ser competitiva a nível internacional.
Mas há caminhos para lá chegar. Um deles passa pela utilização da sua identidade que, no caso da nossa Cidade, é fortíssima e deve ser assumida sem complexos e com a maior confiança e intensidade. Essa identidade advém de uma História antiquíssima, que vem de antes da própria Nacionalidade e que é suficientemente conhecida até aos tempos da cultura moçárabe e do célebre D. Sesnando. A História de Coimbra é um património imaterial que pode e deve enformar toda a acção para a afirmação da nossa Cidade.
O Turismo é a atividade económica mais óbvia que decorre da utilização da História como vantagem comparativa. Mas não se pode ficar por uma recepção simpática dos estrangeiros que nos visitam. Aliar a Cultura ao Turismo é essencial e tal ainda não foi feito entre nós, não se percebendo como uma Autarquia moderna não coloca essas duas preocupações no mesmo pelouro. O turismo cultural é hoje uma actividade económica em expansão em toda a Europa, onde as férias prolongadas praticamente estão em extinção substituídas por viagens de curta/média duração muito mais abertas a um conhecimento aprofundado dos locais que se visitam.
A recuperação dos Centros Históricos é outra pedra de toque na afirmação da identidade das Cidades competitivas. Coimbra está finalmente no bom caminho, através da aprovação dos programas estratégicos das suas áreas de reabilitação urbana e da mais que provável aprovação da candidatura a património mundial reconhecido pela Unesco. Assim os responsáveis autárquicos e universitários o assumam por completo, o que inclui a assunção das verbas previstas para os próximos quinze anos e uma colaboração eficaz sem complexos nem guerrinhas de protagonismos balofos.
A “venda” internacional de Coimbra deve abranger ainda o recente e muito significativo surto de aparecimento e desenvolvimento de empresas de base tecnológica com grande sucesso, saídas da Universidade. Portugal dispõe hoje em dia de um instrumento poderoso e muito competente de atracção de investimentos estrangeiros e de apoio da nossa economia lá fora, que é o AICEP. Uma Cidade como Coimbra não pode deixar de usar e abusar dessa ferramenta, tal como o fazem as empresas para se internacionalizarem.
Coimbra está à porta de um futuro brilhante. Assim os responsáveis dos partidos políticos o percebam e sejam capazes de entrar por essa porta porque, para o bem e para o mal, é por eles que em democracia passam essas opções.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Junho de 2013

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Coimbra no seu melhor (de novo)


Se mais uma vez utilizo este título nesta minha crónica: “Coimbra no seu melhor”, é por ter boas razões para o fazer. Na realidade, a nossa Cidade tem uma característica bem portuguesa, que por razões históricas é mais pronunciada entre nós e que se revela numa intensa capacidade de dizer mal de tudo e de todos. Concedo até que essa atitude se deva a uma vontade subliminar de ouvir em resposta que não, que em Coimbra até há isto ou aquilo de bom. Mas, aqui entre nós, essa é uma atitude bem “coimbrinha” que deve ser combatida, porque desvirtua a realidade actual da nossa Cidade. E, para dificuldades, já nos chegam as provocadas pelo bicefalismo territorial do país, que esmaga a zona Centro em que nos integramos e de que Coimbra é claramente a cidade principal.
Por estas razões, o exercício activo da cidadania obriga-me a mostrar e divulgar aquilo que sinto ser o que Coimbra tem de melhor para oferecer. E não haverá textos que me dêem mais prazer escrever do que estes.
Venho hoje referir, de novo, a excelente Orquestra Clássica do Centro. Vou repetir-me em parte, porque já aqui elogiei o trabalho de todos os que dão corpo àquele projecto que deve ser acarinhado por todos.
A existência continuada em Coimbra de uma formação orquestral de música clássica de qualidade indiscutível foi um sonho de muitos ao longo de muitos anos. É hoje uma realidade incontestável, afirmando-se com uma qualidade reconhecida, apesar das dificuldades financeiras de sempre.
Tendo a honra de pertencer ao seu Conselho Cultural, partilho aquilo que o Eng. Gonçalo Quadros que preside a este Conselho escreveu: “A Cultura é alimento essencial para uma sociedade que se quer assente em conhecimento (…) a nossa região terá dificuldade em construir conhecimento, em desenvolver uma sociedade e uma economia nele baseada sem uma aposta continuada que permita desenvolver um contexto cultural rico e estimulante-que é também cultura.”
O protocolo recentemente assinado pela OCC com a EFAPEL é uma prova de também as empresas vêem na Orquestra Clássica do Centro um meio de se prestigiarem por se associarem a actividades culturais de qualidade.
Estes protocolos celebrados pela OCC com diversas entidades não são letra morta, pelo contrário têm dado origem às mais diversas iniciativas como, por exemplo a iniciativa que na próxima quarta feira, dia 5 de Junho, terá lugar no Café Santa Cruz, resultado da parceria da OCC com aquele Café emblemático da nossa Cidade que este celebra os noventa anos da sua existência. Aí teremos a oportunidade de poder falar sobe a “(Re)Construção da Cidade com Manuel Castelo Branco, Cândida Almeida, José Mário Martins e Marcelo Nuno Pereira e ouvir uma interpretação do Bolero de Ravel pelo Quarteto de cordas da OCC.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Junho de 2013