As notícias sobre o chamado “estado islâmico” não param
de nos surpreender. Agora soube-se que entre os milhares de europeus que se
juntaram aos islamitas do EI para ajudar a conquistar o que eles chamam o
califado, haverá pelo menos uma dúzia de pessoas com cidadania portuguesa, entre
as quais duas mulheres. Sabendo-se como os radicais islamitas tratam as
mulheres é caso para pensar que razões levarão aquelas e outras mulheres
europeias a enfileirar com os jihadistas. Parece mesmo que é a violência da
actuação dos defensores do estado islâmico que exerce um fascínio sobre os
jovens que os leva a largar o seu mundo e partir para a Síria e Iraque para participar
naquela loucura assassina que dá pelo nome de Estado Islâmico. Às mulheres que
vão é reservado o papel que os extremistas islâmicos oferecem a todas as
mulheres: escravas em casa, sem qualquer hipótese de se poderem considerar
seres humanos semelhantes aos homens. Esses, quando não estão ocupados a
crucificar, degolar e chacinar todos aqueles que não partilham da sua vontade
de construir o califado, incluindo muçulmanos, andam pelas ruas de arma em
riste a verificar quem falta às obrigações religiosas que significam quase tudo
o que a liberdade ocidental oferece aos cidadãos, sejam homens ou mulheres.
Quando poupam mulheres e meninas é para as venderem acorrentadas nos mercados para servirem de escravas sexuais dos jihadistas que as quiserem comprar a menos de cem dólares cada.
Quando poupam mulheres e meninas é para as venderem acorrentadas nos mercados para servirem de escravas sexuais dos jihadistas que as quiserem comprar a menos de cem dólares cada.
A maioria dos jovens que decidem juntar-se aos jihadistas
são primeiro doutrinados e depois recrutados através da internet. Uma das mais
activas recrutadoras europeias para o EI é uma rapariga de vinte anos que terá
sido tremendamente eficaz a recrutar raparigas de toda a Europa para se
juntarem aos jihadistas, casarem com eles e “trazer para perto de si o campo de
batalha, se não conseguirem chegar ao campo de batalha”. Metem dó, porque o fim
de todos eles e delas também está bem à vista: mais cedo ou mais tarde morrerão
às balas dos inimigos que criaram ou apodrecerão até ao fim da vida em cadeias
miseráveis.
Vida estranha e mesmo aterradora a destas mulheres que
têm o azar de aí terem nascido ou escolheram ir para a Síria e Iraque, por
motivos que algum dia talvez se venha a perceber quais foram.
Mas o nosso Ocidente foi também origem de notícias sobre
mulheres que dão muito que pensar. Mais de cem mulheres famosas viram
fotografias íntimas que tinham guardado em lugares supostamente seguros na
internet serem divulgadas por todo o mundo, sem seu consentimento. Claro que se
trata de fotografias apenas de mulheres.
Poder-se-à dizer que aquelas mulheres não tinham nada
que, em primeiro lugar tirar fotografias nuas, e depois que as guardar na
internet, pelo que serão elas as responsáveis pelo sucedido. Faz lembrar aquele
argumento que desculpa os violadores, por as mulheres não andarem suficientemente
tapadas, o que nos remete aliás, de novo para os muçulmanos que obrigam as
mulheres a andar na rua completamente tapadas para não suscitarem desejos nos
homens que, como é bem sabido, são muito atreitos a isso quando são
“verdadeiramente homens”.
Sucede que o problema não está aí. Fotografia de nus,
incluindo pinturas célebres, sempre as houve e daí não vem mal ao mundo. Os
hackers só violaram os sites de guarda de material informático porque lá havia
material vendável e por isso o roubaram. E é isso que os corpos das mulheres
são muitas vezes na nossa sociedade: material vendável, isto é, mercadoria. Por
isso somos inundados com publicidade que usa e abusa do corpo feminino tantas
vezes manipulado para se assemelhar com standards tidos como ideais de beleza.
E é material vendável, porque há muita gente disposta a pagar por ele. Nas
últimas décadas a nossa sociedade alterou imenso a forma como encara a mulher.
No entanto, de forma subterrânea, há ainda algo a unir o dito califado à nossa
sociedade e tem a ver com o total respeito (ou falta dele) pela Mulher como tal
e por inteiro.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Setembro de 2014