segunda-feira, 8 de setembro de 2014

UM MUNDO HOSTIL ÀS MULHERES



As notícias sobre o chamado “estado islâmico” não param de nos surpreender. Agora soube-se que entre os milhares de europeus que se juntaram aos islamitas do EI para ajudar a conquistar o que eles chamam o califado, haverá pelo menos uma dúzia de pessoas com cidadania portuguesa, entre as quais duas mulheres. Sabendo-se como os radicais islamitas tratam as mulheres é caso para pensar que razões levarão aquelas e outras mulheres europeias a enfileirar com os jihadistas. Parece mesmo que é a violência da actuação dos defensores do estado islâmico que exerce um fascínio sobre os jovens que os leva a largar o seu mundo e partir para a Síria e Iraque para participar naquela loucura assassina que dá pelo nome de Estado Islâmico. Às mulheres que vão é reservado o papel que os extremistas islâmicos oferecem a todas as mulheres: escravas em casa, sem qualquer hipótese de se poderem considerar seres humanos semelhantes aos homens. Esses, quando não estão ocupados a crucificar, degolar e chacinar todos aqueles que não partilham da sua vontade de construir o califado, incluindo muçulmanos, andam pelas ruas de arma em riste a verificar quem falta às obrigações religiosas que significam quase tudo o que a liberdade ocidental oferece aos cidadãos, sejam homens ou mulheres. 

Quando poupam mulheres e meninas é para as venderem acorrentadas nos mercados para servirem de escravas sexuais dos jihadistas que as quiserem comprar a menos de cem dólares cada.
A maioria dos jovens que decidem juntar-se aos jihadistas são primeiro doutrinados e depois recrutados através da internet. Uma das mais activas recrutadoras europeias para o EI é uma rapariga de vinte anos que terá sido tremendamente eficaz a recrutar raparigas de toda a Europa para se juntarem aos jihadistas, casarem com eles e “trazer para perto de si o campo de batalha, se não conseguirem chegar ao campo de batalha”. Metem dó, porque o fim de todos eles e delas também está bem à vista: mais cedo ou mais tarde morrerão às balas dos inimigos que criaram ou apodrecerão até ao fim da vida em cadeias miseráveis.

Vida estranha e mesmo aterradora a destas mulheres que têm o azar de aí terem nascido ou escolheram ir para a Síria e Iraque, por motivos que algum dia talvez se venha a perceber quais foram.
Mas o nosso Ocidente foi também origem de notícias sobre mulheres que dão muito que pensar. Mais de cem mulheres famosas viram fotografias íntimas que tinham guardado em lugares supostamente seguros na internet serem divulgadas por todo o mundo, sem seu consentimento. Claro que se trata de fotografias apenas de mulheres.
Poder-se-à dizer que aquelas mulheres não tinham nada que, em primeiro lugar tirar fotografias nuas, e depois que as guardar na internet, pelo que serão elas as responsáveis pelo sucedido. Faz lembrar aquele argumento que desculpa os violadores, por as mulheres não andarem suficientemente tapadas, o que nos remete aliás, de novo para os muçulmanos que obrigam as mulheres a andar na rua completamente tapadas para não suscitarem desejos nos homens que, como é bem sabido, são muito atreitos a isso quando são “verdadeiramente homens”.
Sucede que o problema não está aí. Fotografia de nus, incluindo pinturas célebres, sempre as houve e daí não vem mal ao mundo. Os hackers só violaram os sites de guarda de material informático porque lá havia material vendável e por isso o roubaram. E é isso que os corpos das mulheres são muitas vezes na nossa sociedade: material vendável, isto é, mercadoria. Por isso somos inundados com publicidade que usa e abusa do corpo feminino tantas vezes manipulado para se assemelhar com standards tidos como ideais de beleza. E é material vendável, porque há muita gente disposta a pagar por ele. Nas últimas décadas a nossa sociedade alterou imenso a forma como encara a mulher. No entanto, de forma subterrânea, há ainda algo a unir o dito califado à nossa sociedade e tem a ver com o total respeito (ou falta dele) pela Mulher como tal e por inteiro.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Setembro de 2014

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