terça-feira, 20 de setembro de 2016

A Senhora Mortágua

O que disse a sra. Mortágua (tal e qual):
Eu posso encontrar medidas que me permitam, através do Estado Social, redistribuir alguma riqueza, posso encontrar medidas que, através do Estado Social, mitigar alguma pobreza, mas eu não vou conseguir acabar com as desigualdades se eu não mexer no sistema que produz as desigualdades.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Uma guerra longa que acaba.




 Há guerras que, mesmo depois de se pensarem terminadas, continuam ainda até que o seu fim verdadeiro se verifique. Quando se olha para trás muito tempo depois, isso é fácil de perceber como é o caso da chamada “guerra dos cem anos” que, na realidade até durou mais de 110 anos e se foi desenvolvendo episodicamente nos séculos XIV e XV entre a França e a Inglaterra, envolvendo toda a Europa ao longo dos anos, através dos aliados de um e do outro contendor.
A II Guerra Mundial teve o seu fim oficial em 2 de Setembro de 1945 com a assinatura da rendição do Japão a bordo do USS Missouri, com festejos pelo mundo inteiro, no convencimento de que se tinha finalmente entrado numa era de Paz duradoura.

 Não foi preciso esperar muito tempo para se verificar quão efémera fora essa satisfação. Logo em Março de 1946 Churchill traduz por palavras o que grande parte do mundo já concluíra, no seu famoso discurso em que afirmou: “De Stettin no Báltico até Trieste no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente”. Stalin tinha aproveitado o avanço dos exércitos soviéticos sobre a Alemanha através da Europa de Leste, para impor regimes comunistas em todos os países aí situados.
A constatação de Churchill significou o reconhecimento do antagonismo entre dois blocos, o soviético e o ocidental, que rapidamente evoluiu para uma situação que se designou por “Guerra Fria”, mas que na realidade foi bem mais quente do que a expressão pode deixar supor. Se os dos países-pólo dessa situação, os EUA e a União Soviética não entraram directamente em guerra, daí a designação de guerra fria, os conflitos armados ligados ao confronto entre os dois blocos verificaram-se um pouco por todo o mundo, desde a Ásia com as guerras na Coreia e no Vietname, até ao médio-oriente e ao próprio continente americano, essencialmente na América Central e também na América do Sul, como aconteceu na Nicarágua, no Peru ou na Argentina.
Até mesmo em Portugal, no chamado PREC a seguir ao 25 de Abril, por muito pouco não se verificou um conflito desse tipo.
O fim da “guerra fria” verificou-se em 1991 com a dissolução da URSS e desaparecimento do Pacto de Varsóvia. Hoje em dia há muito quem seja de opinião que a “guerra fria” foi uma continuação da II Grande Guerra, tal como esta última, no fundo, teve raízes directas na deficiente resolução da I Grande Guerra no mal desenhado Tratado de Versalhes de Junho de 1919.
Mas a “guerra fria” não terminou completamente em 1991. Um dos conflitos armados nela integrado só agora acabou, com o cessar-fogo, assinado em 29 de Agosto último na Colômbia entre o governo e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), guerrilha marxista que lutava pela revolução e estabelecimento de um regime comunista no país. Não se pense que se tratou de um conflito menor. Teve o seu início em 1964, sendo por isso o conflito armado mais longo das Américas e provocou mais de 220.000 mortos. O líder do auto-proclamado “Ejercito del Pueblo” Rodrigo Londoño conhecido por Timochenko manifestou o seu contentamento com o fim da guerra, afirmando que” não mais pais enterrarão os seus filhos e as suas filhas por morrerem na guerra”, e muito foram, na verdade.
Olhando para trás, impressiona como esses conflitos que provocaram tantas mortes e sofrimento foram basicamente em vão. A guerra do Vietnam é, talvez, o exemplo mais acabado da inutilidade de uma guerra pavorosa. Durou trinta anos entre 1945 e 1975. Os primeiros derrotados foram os franceses; poucos anos depois os EUA resolveram intervir a favor do Vietname do Sul contra o Norte comunista, tendo sofrido uma derrota humilhante, naquilo que até hoje constitui uma questão traumática na sociedade americana. Não há números exactos para as baixas deste conflito, mas no total terão sido mais de 3 milhões de mortos entre militares e civis, dos quais cerca de 60.000 mortos e desaparecidos e mais de 300.000 feridos americanos. Hoje em dia, oficialmente o regime político do Vietname unido é comunista, mas na realidade a economia é capitalista e o país é aberto e visitado por turistas, incluindo muitos americanos que lá combateram.

Embora se possa considerar que este conjunto de conflitos armados localizados nos “quintais” das superpotências e espalhados um pouco por todo o mundo possa ter sido o preço a pagar para evitar uma guerra directa entre a URSS e os EUA que seria um desastre planetário, não deixa de ter sido uma desgraça humanitária para os países envolvidos. E, vê-se hoje, poderia e deveria ter sido evitado por ambas as potências quanto mais não fosse, pela sua completa inutilidade histórica.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Obrigado, Mestre Mário Silva




 Morreu Mário Silva. Muito mais que um pintor, Mário Silva foi um artista da vida, alguém que deu sempre muito mais do que recebeu. Um visionário que adorava a vida e cultivava uma relação única com o Outro e com a sociedade, num exercício de cidadania sem falhas acompanhada por uma capacidade de compreensão e amor como raramente se vê.
Ao longo dos anos tive a oportunidade de me referir ao Mestre em várias crónicas publicadas neste jornal, manifestando a admiração que por ele tenho, aproveitando para aqui transcrever alguns trechos:
É conhecida a frequente discrepância entre a arte de muitos grandes artistas e a sua própria vida. Não vale a pena referenciar nomes, mas todos nos lembraremos de grandes pintores, compositores musicais, escritores ou artistas de cinema que nos comovem com as suas composições artísticas e cujas relações com os próximos não se pautaram pela simpatia ou sequer pela mínima aceitação pessoal.
Entre nós vive um grande artista que é exactamente o contrário disso. Mestre Mário Silva é um dos nossos maiores artistas contemporâneos, não só na pintura mas também na escultura, no desenho, na cerâmica e na ilustração. A sua genialidade manifesta-se de forma constante nas diversas épocas que se conseguem detectar na sua longa vida artística. Ao apreciar a sua arte ao longo dos mais de cinquenta nos que leva a sua carreira, sentimos verdadeiramente que a arte é a procura da verdade, que traz a eternidade dentro de si.
Mário Silva afirma que nasceu artista e é isso mesmo que toda a sua vida demonstra. Mário Silva é um artista entre os maiores. Em vez de reproduzir a realidade, mesmo que a seu modo, antes a destrói e desmonta, para a seguir a reconstruir integrando a sua própria visão. E assim nós, leigos, somos convidados pelo Artista a ver aquilo que nunca antes se nos tinha apresentado com clareza.
Artista maior da pintura, sim, representado em inúmeros museus e academias um pouco por todo o mundo. Mas Mário Silva é um Homem muito para além disso. Tomou a Liberdade como sua e nunca prescindiu dela, em todos aspectos da sua vida. Irreverente, por vezes mesmo iconoclasta derrubando tradições e convenções, o seu espírito nunca se vergou nem se deixou aprisionar, mesmo quando encerrado fisicamente entre paredes de forma arbitrária. Esse culto da Liberdade não o levou à atitude egoísta de ignorar ou menosprezar os seus semelhantes, como tantas vezes sucede com os grandes artistas. Basta ver o local que escolheu para viver, entre pescadores que o tratam como um dos seus, para perceber quão elevado é o seu sentido de Igualdade e como esse sentido orienta a sua relação com os demais. 

Mário Silva não enriqueceu com a pintura, o que até lhe teria sido fácil, dado o estatuto que alcançou a nível nacional e no estrangeiro. Não é pessoa que guarde para si, quando ao seu lado alguém tem necessidades. A sua generosidade releva de um espírito Fraterno em alto grau. Mário Silva não é dos que pregam uma coisa e praticam o contrário. A sua disponibilidade para participar nos mais diversos encontros e eventos é total, fazendo-o sempre de forma construtiva e trazendo sempre algo que melhora os outros em alguma coisa.
Os grandes artistas têm a diferença de partirem sem nunca nos deixarem, quer na memória, quer na Arte que nos legam para sempre. Assim, não me despeço de Mário Silva, ficando aqui apenas um Obrigado, Mestre Mário Silva não só pela Arte, mas pelo exemplo de vida e por nos dar a ver o que tantas vezes lá está e não somos capazes de ver.