sábado, 9 de junho de 2018

803 anos da Magna Carta

No mês de Junho de 1215, o Rei João de Inglaterra, que se tornaria conhecido como João sem Terra, assinou um documento que, no seu art.º 39º e, numa tradução livre, estabelecia:
“"Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra."
Em plena Idade Média, o Rei reconhecia um limite aos seus poderes e uma garantia à liberdade dos súbditos.
Claro que João sem Terra não assinou o que ficou conhecido como Magna Carta com grande gosto, nem sequer com intenção de a vir a cumprir na sua totalidade. As suas sucessivas derrotas militares e o afrontamento ao papa Inocêncio III ao não aceitar a nomeação do Arcebispo de Cantuária, tinham-no levado a uma situação de fragilidade perante os nobres do reino que colocava em perigo a sua situação como rei. Depois de se humilhar ao aceitar o nomeado pelo Papa, colocando-o assim do seu lado, o Rei João aceitou igualmente os termos da Magna Carta, que limitava seriamente os seus poderes. Havia mesmo um artigo que estabelecia um conselho de 25 nobres com o direito de ficarem com todas as posses do rei, caso ele não cumprisse alguma das regras do tratado. Passado um escasso mês sobre a assinatura, João escreveu ao Papa a pedir a anulação da Magna Carta, o que conseguiu, dadas as suas novas boas relações com Roma.

O documento, mesmo com alterações e mesmo anulações de algumas partes, como a referente ao conselho dos 25 nobres, sobreviveu ao longo dos anos como inspiração para futuras constituições. Os pais fundadores da Constituição Americana vieram no final do século XVIII a tomar a Magna Carta como documento seminal para a definição das liberdades individuais e limite da acção do Estado perante o indivíduo e para a definição do princípio fundamental da “não taxação, sem representação”.
Recordo que, entre nós, a primeira Constituição data de 1822, tendo tido vida curta, já que foi substituída em 1826 pela Carta Constitucional que vigorou com diversas alterações até à implantação da República em 1910.
A originalidade e importância da Magna Carta, oitocentos anos depois da sua assinatura, mantém-se no respeito do Estado perante os cidadãos e no direito destes a julgamento justo em vez da arbitrariedade do poder.
Nestes dias em que tudo é posto de novo em causa por discussões sobre direitos individuais fundamentais como a liberdade de imprensa e de opinião perante poderes religiosos, militares, políticos e económicos, ir buscar os fundamentos da nossa liberdade e civilização ao fundo dos tempos é, não só uma comemoração mas também uma necessidade. Oitocentos anos de Magna Carta não são uma pertença apenas da História de Inglaterra, mas de toda uma sociedade liberal que tem sobrevivido aos ataques dos mais diversos radicalismos que, sistematicamente, têm tentado substituir os direitos dos indivíduos pelos interesses do Estado. 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Janeiro de 2014

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Está toda a gente maluca?

 E o maluco pergunta:

 "Sporting. Administrador da SAD demite-se, Scolari é hipótese forte e Bruno de Carvalho pergunta se está toda a gente maluca” 

Foto de "Obervador":
https://observador.pt/2018/06/06/sporting-administrador-da-sad-demite-se-treinador-apresentado-em-breve-e-bruno-de-carvalho-em-conferencia/

 

Fanfare for the Common Man, New York Philharmonic, James Levine

terça-feira, 5 de junho de 2018

CULTURA

Só o grande Caravaggio para nos contar a realidade, como ela é e não como gostaríamos que fosse.

Pete Seeger: Where Have All the Flowers Gone?

Bob Kennedy

Passam hoje 50 anos sobre o assassinato de Robert Kennedy. Talvez o mais brilhante dos irmãos. Tinha acabado de ganhar as primárias do partido Democrata na Califórnia e corria para ser também presidente dos EUA, onde iria corrigir muita coisa errada naquele país. Estou certo disso, tal como muita gente. Cortaram-lhe o caminho. E o mundo não ficou melhor.

José Mário Branco - Queixa das Almas Jovens Censuradas

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Fazer Cidade, bem.



A realização de intervenções de dimensão assinalável no tecido urbano existente reveste-se sempre de riscos evidentes, já que há sempre muita coisa que pode correr mal. Pela complexidade, variedade de matérias e interesses envolvidos exigem forte capacidade e vontade política, mas também profundos conhecimentos técnicos em diversas áreas como as ciências urbanísticas e jurídicas, para além de suficiente sensibilidade social porque, além de território, também são envolvidas pessoas concretas.
Hoje, passados cerca de dezoito anos sobre o início das diversas operações de carácter urbanístico levadas a efeito na zona do Calhabé na sequência da decisão de remodelar o velho Estádio Municipal para acolher dois jogos do Euro 2004, já é possível avaliar a intervenção realizada naquela zona da Cidade.
O projecto de arquitectura da remodelação do Estádio deu-lhe um carácter urbano com uma excelente integração na zona permitindo que viesse a ter uma utilização comercial e de serviços, para além da utilização desportiva. Estão de parabéns o presidente da Câmara de então Dr. Manuel Machado e o Arquitecto António Monteiro, responsável pelo projecto, pelas decisões então tomadas que exigiram aprofundado conhecimento técnico e coragem política. Não fora o conjunto de decisões de projecto então tomadas e, provavelmente, o Estádio Cidade de Coimbra faria hoje companhia a outros exemplos tristes de insucesso que todos conhecemos.
Mas o estádio foi apenas a mola iniciadora de um conjunto de intervenções levadas a cabo em toda a zona que, no seu conjunto, lhe deu um carácter de centralidade urbana que é hoje inegável.
A construção de novos equipamentos desportivos de grande qualidade veio aumentar a atractividade de Coimbra para eventos nacionais e internacionais na área dos diversos desportos, mas também proporcionar aos desportistas da Cidade a hipótese de praticar as suas modalidades em condições de segurança e conforto. A antiga Praça Heróis do Ultramar que na realidade mais não era que um parque de estacionamento ao ar livre com um diminuto espaço para peões no meio, transformou-se numa área com relvados, devidamente arborizada, com bancos e capacidade de atração de utentes. Basta ver a forma como os jovens das escolas adjacentes a ocupam durante os intervalos das aulas para se perceber a adequação do projecto aos objectivos. Tudo isto possível pela intervenção urbanística no topo Norte do Estádio, realizada por promotor encontrado em concurso público internacional.
Mas há ainda outra intervenção na zona que merece um destaque especial. A zona da Fonte da Cheira localizada entre a Solum e as Bandeiras (Rua do Brasil/Estrada da Beira) constituía uma chaga urbanística encaixada entre duas áreas de desenvolvimento urbano evidente. Não era fácil encontrar uma solução, até porque ali se desenvolviam actividades económicas em mais de trinta estabelecimentos em condições muito deficientes, havendo ainda alguns moradores. Integrado nas chamadas “acessibilidades ao Euro” foi desenvolvido um plano urbanístico, concretizado através de uma “Unidade de Execução”, abrangendo a abertura de uma nova via entre a Rua do Brasil e a Solum, hoje a Rua Monsenhor Nunes Pereira. Tratou-se uma intervenção pioneira no país, que exigiu capacidades excepcionais a nível jurídico (trabalho excelente da Doutora Fernanda Paula Oliveira, professora da Fac. de Direito) mas também competência técnica para um desenho urbano adequado e de grande qualidade do ponto de vista urbanístico elaborado por quadros da Câmara Municipal de Coimbra (Arq. Paulo Fonseca e Eng. Fernando Rebelo).
Os estimados leitores desta crónica estranharão, talvez, o elevado número de referências a pessoas concretas que intervieram neste processo. Mas as grandes decisões que introduzem transformação na Cidade não devem ficar anónimas, particularmente quando significa progresso. É por isso que não posso deixar de referir os dois grandes responsáveis políticos pela extraordinária intervenção pública nesta área da Cidade, sem paralelo nas últimas dezenas de anos da sua História. Sem a sagacidade e experiência política do então presidente da Câmara Dr. Carlos Encarnação e sem a competência, dedicação e determinação do seu Vereador do Urbanismo Eng. João Rebelo nada disto teria sido possível, pelo que é da mais elementar justiça fazer-lhes aqui referência pelo trabalho exemplar feito em prol do desenvolvimento da Cidade.

Publicado no Diário de Coimbra em 4 de Junho de 2018