Em República, é
pacífico que o exercício de funções se deva ao mérito pessoal e não a qualquer
outra causa, seja por nascimento, ou por outras condições de vantagem
económica. Há, contudo, outras situações que por vezes se verificam, que se
podem considerar simétricas daquelas e que trazem consigo outros problemas.
Refiro-me a algum fascínio por pessoas que, como se costuma dizer, tiveram
muito sucesso na vida, vindo de baixo, ou dito de outra maneira, que se fizeram
a si próprias
Se esse sucesso
pessoal é normalmente digno de respeito e até de admiração, sucede também às
vezes se abusa dessa consideração, assistindo-se depois a quedas gigantescas,
porque demasiado alto se subiu. É que o deslumbramento pelo sucesso, seja de
exercício de poder ou de acesso a condições económicas muito favoráveis é
propenso ao desvario e falta de bom senso que conduz aos disparates
comportamentais mais absurdos e incompreensíveis. Atitudes essas que
frequentemente os colocam na mira da Justiça, quer venham a ser acusados ou
não, ou mesmo condenados.
Oliveira e Costa
foi sempre uma personagem humilde, tendo continuado a viajar de comboio em 2ª
classe mesmo quando era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Saído da
política, construiu um banco, o BPN que, na sequência de actos de gestão mais
que duvidosos, acabou intervencionado pelo Estado, tendo os contribuintes lá
colocado até agora mais de 7 mil milhões de euros, não estando o processo ainda
terminado. Oliveira e Costa foi condenado a 14 anos de prisão efectiva, em
relação com esta sua actividade como banqueiro.
Outro administrador do BPN
saído da política que teve problemas com a Justiça foi Dias Loureiro que, no
entanto, ao contrário de Oliveira e Costa, viu arquivado pelo Ministério
Público o inquérito em que foi investigado por decisões tomadas como banqueiro.
Dias Loureiro também teve um início humilde, tendo-se tornado rico depois da
sua passagem por Sec. Geral do PSD e pelo Governo onde chegou a Ministro de
Cavaco Silva. Ironicamente, veio a caber-lhe a honra duvidosa de enterrar o
chamado cavaquismo com a sua acção enquanto Ministro da Administração Interna ao
mandar a polícia de choque contra os manifestantes da Ponte 25 de Abril.
Curiosamente,
aquelas mesmas manifestações da Ponte marcaram o início da carreira política de
Armando Vara que chegou a ministro da Juventude e do Desporto de António
Guterres. Mas, terminada a carreira política de forma algo inglória, Armando
Vara encetou uma carreira de gestor, terminando como Administrador da CGD, ele
que tinha começado por atender clientes num balcão da Caixa algures em
Trás-os-Montes. Armando Vara está condenado a pena efectiva de prisão de 5
anos, pelo caso “Face Oculta”.
De Trás-os-Montes é
também originário Duarte Lima que, de origens modestas, veio para Lisboa para a
política com muito sucesso, para além de se ter tornado numa personagem
conhecida pelo altíssimo nível de vida que passou a ter, de forma mesmo
ostensiva. No meio dos vários processos judiciais em que está envolvido, um há
em que já foi condenado a 6 anos de cadeia, o caso Homeland.
Simbolicamente,
Arlindo de Carvalho, juntamente com Oliveira e Costa, sentou-se no banco dos
réus num caso de burla qualificada no valor de dezenas de milhões de euros,
tendo o Ministério Público pedido pena efectiva de prisão para ambos. Arlindo
de Carvalho começou a sua carreira pública como um obscuro vereador da Câmara
de Cascais, tendo chegado a Ministro da Saúde com Cavaco Silva. Recordo-me de
que, no auge da sua carreira política enquanto ministro, deu uma entrevista de
vida ao jornal Expresso. Perguntado sobre o que constituía para si o sucesso,
respondeu de forma definitiva, virando a aba do casaco de forma a mostrar a sua
marca e respondendo com orgulho: “vestir Hugo Boss”.
De forma
significativa para o Regime, nenhum dos citados nesta crónica que foram
condenados está na cadeia. Perde o regime que mostra estar à sua mercê e,
talvez pior, espalha-se a ideia de que o importante é não ir parar à cadeia,
faça-se o que se fizer.