Pode-se dizer que
foi no atelier de Caravaggio que tudo começou. Pintor que só muito depois do seu
desaparecimento viria a ser conhecido como um dos maiores da História da
Pintura, pela força e novidade da sua pintura, em vez de o ser pela vida
agitada que levou.
Filha do pintor
Orazio Gentileschi que trabalhou com Caravaggio, Artemisia nasceu em Roma em 8
de Julho de 1593. O pai cedo reconheceu em Artemisia um talento excepcional,
tendo mesmo feito dela sua aprendiz, em vez de algum dos seus cinco irmãos
rapazes, contrariando o que era normal nesse tempo. Artemisia foi muito além do
seu pai na pintura, demonstrando ter assimilado melhor do que ele as inovações
artísticas de Caravaggio, designadamente no realismo das formas humanas, muito
em particular as femininas, bem como no contraste entre luz e sombra.
Sendo mulher,
sentiu grandes dificuldades em ser aceite em ateliers, tendo sido violada aos
17 anos pelo seu tutor, o pintor Agostino Tassi, após o que se seguiu um
julgamento que a terá marcado ainda mais do que o acto que lhe deu origem. Por
essa altura mudou-se para Florença, onde pintou para o Doge Cosme II de Médici, tendo a sua obra sido rapidamente reconhecida
e foi mesmo a primeira mulher a entrar na Academia das Artes do Desenho daquela
cidade, apenas com 23 anos.
Artemisia
Gentileschi afirmou-se pela sua Arte, sendo célebres os seus quadros onde
aborda temas frequentemente de grande dramatismo, com mulheres fortes e
insubmissas e cenas de confronto pessoal baseadas nas mitologias ou bíblicas. A
pintora utilizou frequentemente o auto-retrato para representar as heroínas dos
seus quadros, como é o caso do quadro que representa a mártir Santa Catarina de
Alexandria. Por esse motivo, e pela temática muitas vezes abordada, durante
muito tempo considerou-se que a sua obra tinha origem auto-biográfica com base
na sua experiência pessoal quando, na realidade, a sua pintura releva muito
mais da sua personalidade independente e do temperamento próprio. Ao longo da
sua vida tratou sempre com grande firmeza dos aspectos económicos ligados à sua
actividade, para além de não se ter eximido a ter relacionamentos com outros
artistas e mecenas. Artemisia, ao contrário do que era regra nos séculos XVI e
XVII, negociava ela mesma as suas obras, fazendo frequentemente a sua promoção
junto dos maiores mecenas, por toda a Europa, nunca deixando de vincar a
qualidade do seu trabalho. Quer nos aspectos profissionais e artísticos, quer
nos aspectos da vida pessoal, foi sempre uma mulher muito à frente do seu
tempo, demonstrando uma independência pessoal e uma modernidade notáveis.
O primeiro quadro
que assinou é o conhecido “Susana e os Velhos” de 1610, tema abordado por
muitos outros pintores ao longo da História, mas em que a jovem Artemisia
consegue já transmitir sensações intensas, com grande dramatismo e violência,
quer pelo temor da personagem feminina, quer pela maldade e amoralidade
explícita dos dois velhos. Este quadro é anterior à violação de que foi vítima,
demonstrando que a temática que abordou ao longo da vida não foi consequência
desse facto, mas da sua escolha deliberada.
Depois de
Florença, Artemisia Gentileschi voltou a Roma, tendo ainda vivido e trabalhado
em Veneza, Nápoles e em Inglaterra a convite do Rei Carlos I, regressando
definitivamente a Nápoles que nesse tempo pertencia à Coroa d Aragão, onde terá
morrido por volta de 1656.
Num mundo
artístico que era então totalmente masculino, Artemisia Gentileschi afirmou-se
por si própria, estando a sua obra ao mais alto nível, devido à sua
genialidade. Hoje em dia, mercê da sua afirmação como mulher num mundo de
homens, a que se junta a provação sexual por que passou enquanto jovem, muitos
procuram ver traços feministas na sua obra. Contudo, tal consideração significa
uma redução da sua obra, que se impõe definitivamente ao lado dos maiores artistas
de sempre, independentemente do seu sexo.
As obras de
Artemisia Gentileschi, podem ser admiradas nalguns dos melhores museus do
mundo, como a “Alegoria da Pintura” em Roma na Galleria Nazionale di Palazzo
Barberini, ou o brutal “Judith e Holofernes” em Nápoles no Museo Nazionale di
Capodimonte, e ainda o impressionante “Yael e Sísera” no Museu de Belas Artes
de Budapeste, ou o definitivo “Suzana decapitando Holofernes” na Galleria degli
Uffizi, em Florença.