segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Artemisia, mulher forte, artista maior



Pode-se dizer que foi no atelier de Caravaggio que tudo começou. Pintor que só muito depois do seu desaparecimento viria a ser conhecido como um dos maiores da História da Pintura, pela força e novidade da sua pintura, em vez de o ser pela vida agitada que levou.
Filha do pintor Orazio Gentileschi que trabalhou com Caravaggio, Artemisia nasceu em Roma em 8 de Julho de 1593. O pai cedo reconheceu em Artemisia um talento excepcional, tendo mesmo feito dela sua aprendiz, em vez de algum dos seus cinco irmãos rapazes, contrariando o que era normal nesse tempo. Artemisia foi muito além do seu pai na pintura, demonstrando ter assimilado melhor do que ele as inovações artísticas de Caravaggio, designadamente no realismo das formas humanas, muito em particular as femininas, bem como no contraste entre luz e sombra.
Sendo mulher, sentiu grandes dificuldades em ser aceite em ateliers, tendo sido violada aos 17 anos pelo seu tutor, o pintor Agostino Tassi, após o que se seguiu um julgamento que a terá marcado ainda mais do que o acto que lhe deu origem. Por essa altura mudou-se para Florença, onde pintou para o Doge Cosme II de Médici, tendo a sua obra sido rapidamente reconhecida e foi mesmo a primeira mulher a entrar na Academia das Artes do Desenho daquela cidade, apenas com 23 anos.
Artemisia Gentileschi afirmou-se pela sua Arte, sendo célebres os seus quadros onde aborda temas frequentemente de grande dramatismo, com mulheres fortes e insubmissas e cenas de confronto pessoal baseadas nas mitologias ou bíblicas. A pintora utilizou frequentemente o auto-retrato para representar as heroínas dos seus quadros, como é o caso do quadro que representa a mártir Santa Catarina de Alexandria. Por esse motivo, e pela temática muitas vezes abordada, durante muito tempo considerou-se que a sua obra tinha origem auto-biográfica com base na sua experiência pessoal quando, na realidade, a sua pintura releva muito mais da sua personalidade independente e do temperamento próprio. Ao longo da sua vida tratou sempre com grande firmeza dos aspectos económicos ligados à sua actividade, para além de não se ter eximido a ter relacionamentos com outros artistas e mecenas. Artemisia, ao contrário do que era regra nos séculos XVI e XVII, negociava ela mesma as suas obras, fazendo frequentemente a sua promoção junto dos maiores mecenas, por toda a Europa, nunca deixando de vincar a qualidade do seu trabalho. Quer nos aspectos profissionais e artísticos, quer nos aspectos da vida pessoal, foi sempre uma mulher muito à frente do seu tempo, demonstrando uma independência pessoal e uma modernidade notáveis.

O primeiro quadro que assinou é o conhecido “Susana e os Velhos” de 1610, tema abordado por muitos outros pintores ao longo da História, mas em que a jovem Artemisia consegue já transmitir sensações intensas, com grande dramatismo e violência, quer pelo temor da personagem feminina, quer pela maldade e amoralidade explícita dos dois velhos. Este quadro é anterior à violação de que foi vítima, demonstrando que a temática que abordou ao longo da vida não foi consequência desse facto, mas da sua escolha deliberada.
Depois de Florença, Artemisia Gentileschi voltou a Roma, tendo ainda vivido e trabalhado em Veneza, Nápoles e em Inglaterra a convite do Rei Carlos I, regressando definitivamente a Nápoles que nesse tempo pertencia à Coroa d Aragão, onde terá morrido por volta de 1656.
Num mundo artístico que era então totalmente masculino, Artemisia Gentileschi afirmou-se por si própria, estando a sua obra ao mais alto nível, devido à sua genialidade. Hoje em dia, mercê da sua afirmação como mulher num mundo de homens, a que se junta a provação sexual por que passou enquanto jovem, muitos procuram ver traços feministas na sua obra. Contudo, tal consideração significa uma redução da sua obra, que se impõe definitivamente ao lado dos maiores artistas de sempre, independentemente do seu sexo.
As obras de Artemisia Gentileschi, podem ser admiradas nalguns dos melhores museus do mundo, como a “Alegoria da Pintura” em Roma na Galleria Nazionale di Palazzo Barberini, ou o brutal “Judith e Holofernes” em Nápoles no Museo Nazionale di Capodimonte, e ainda o impressionante “Yael e Sísera” no Museu de Belas Artes de Budapeste, ou o definitivo “Suzana decapitando Holofernes” na Galleria degli Uffizi, em Florença.

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