segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Que país queremos ser?




Infelizmente nem seriam necessárias as tragédias que regularmente nos visitam para nos apercebermos até quanto somos ainda um país pobre e mal organizado, pese embora exista ao lado deste um outro país desenvolvido e sofisticado que gostamos de mostrar ao mundo. Nas últimas semanas temos assistido, com alguma perplexidade, a uma onda de greves simultâneas em sectores vitais. Estas greves permitem ver como é o tal país que muitos tentam ignorar ou até mesmo esconder, talvez pela sua falta de “glamour”, como tanto se gosta de dizer nos jornais e nas tv´s.
Desde logo, no sector da saúde melhor dizendo, no Serviço Nacional de Saúde. Greve dos Enfermeiros, portanto. Greve cuja duração já atirou para as calendas milhares de cirurgias, dizendo-se que por cada dia são mais 500 doentes que não vêm solução para os seus problemas de saúde. Mas parece não haver problema e, com uma calma olímpica, o Governo deixa andar. Os portugueses descobrem que a classe dos enfermeiros é, no Sistema Nacional de Saúde, pobre e mal paga. Muito mal paga mesmo, assim se explicando por que razão os enfermeiros ou têm vários empregos para sobreviver andando ensonados, cansados e desesperados com o trabalho ou vão para fora para viver com dignidade e até receber prémios pela sua capacidade de trabalho e competência.

A greve dos estivadores do Porto de Setúbal tem consequências graves na economia portuguesa, desde logo pelos problemas que acarreta à saída dos automóveis fabricados pela AutoEuropa que representa uns 15% das exportações portuguesas e se viu obrigada a procurar alternativas ao porto de Setúbal, cujos trabalhadores estão parados desde 6 de Novembro. E os portugueses descobrem mais um mundo subterrâneo de trabalho miseravelmente pago, mas sobretudo com famílias portuguesas a viver em condições humilhantes e verdadeiramente inaceitáveis nos dias de hoje. Uma organização laboral que supúnhamos já terminada há muitos anos, subsiste escondida à volta dos portos portugueses. Se há uns anos os sindicatos definiam quantos trabalhadores seriam necessários para a estiva dos navios, aguardando os precários junto aos portões que lhes dissessem quantos poderiam trabalhar nesse dia, hoje em dia são as empresas a fazê-lo. E dezenas e dezenas de famílias dependem de os seus familiares arranjarem ou não trabalho em cada dia, fazendo-se uns contratos que terminam no fim desses mesmos dias, isto durante anos e anos a fio. Para ganharem verdadeiras misérias. Mais do que comentar os problemas que a greve traz à economia, importa denunciar e acabar com a situação laboral a todos os títulos vergonhosa que um país da União Europeia, em 2018, permite que seja a de cidadãos seus.
Por fim, a greve dos Juízes. Se as greves acima referidas acabam por mostrar um país deprimido, mal organizado e que ainda não encontrou verdadeiros caminhos de desenvolvimento que permitam um mínimo de estabilidade económica aos seus cidadãos, a greve dos juízes deve-nos colocar de sobreaviso acerca do perigo de uma condição essencial da cidadania: a nossa segurança individual e colectiva. Se há sector crucial para o funcionamento do regime democrático é a Justiça, pelo que uma greve dos seus agentes mais directos é algo que deve suscitar a atenção preocupada dos cidadãos.
A greve dos juízes tem motivado as posições mais desencontradas, mesmo por parte dos juristas mais conceituados, que eles próprios não mantêm no tempo, razão pela qual o cidadão comum sente a maior perplexidade perante essa situação. É que se os Tribunais são em si próprios órgãos de soberania, a independência dos juízes tem que ser garantida e depende de muitos factores a que eles são alheios, mesmo para além da determinação dos seus vencimentos. E quando os juízes fazem greve em função do seu Estatuto, que define os seus direitos e deveres, os restantes cidadãos devem prestar a maior atenção, não se vá dar o caso de a sua independência poder vir a ser posta em causa.
As greves em curso constituem, cada uma à sua maneira, uma interpelação muito clara a que todos nós devemos responder frontalmente, porque dessa resposta colectiva e esclarecida depende a escolha de qual país queremos ser.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Dezembro de 2018

domingo, 2 de dezembro de 2018

Varela Pecurto

Por acaso, encontrei esta fotografia maravilhosa de Varela Pecurto, grande fotógrafo de Coimbra, tirada por volta de 1952, portanto nos inícios da sua carreira e que foi premiada em diversos concursos como em Joanesburgo e Cuba.
O título é "Hábeis e Modestas" e apareceu no nº 2 de Março de 1953 da revista "Plano Focal" de que Varela Pecurto era colaborador e representante em Coimbra/Livraria.


ELIS

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A queda da máscara orçamental




Seja porque o braço de ferro com o Governo italiano obriga a alguma coerência com o tratamento dado aos outros países, seja porque muito simplesmente o que é demais é demais, o facto é que a Comissão Europeia resolveu puxar as orelhas a sério ao Governo português por causa da proposta de Orçamento (OGE) para 2019. Embora, como é seu hábito, o Primeiro-ministro desvalorize a questão, o próprio Presidente da República se lhe referiu, o que se sobrepõe à tentativa de igualmente tentar classificar as questões levantadas como “reparos específicos” irrelevantes.
Não são pormenores e as questões levantadas são sérias, embora inconvenientes para o Governo que tenta, neste seu quarto OGE, repetir o que fez nos três anteriores, com a conivência dos partidos que o apoiam na Assembleia da República, o PCP e o BE. Só que o ambiente económico externo que permitiu nestes últimos três anos ir surfando um crescimento económico que, ainda que débil, ia dando para arrecadar mais impostos permitindo distribuir rendimentos pelas suas clientelas escolhidas em função dos objectivos eleitorais, sofreu uma mudança.
Tornou-se evidente que o objectivo da redução do défice em 2019 só poderá ser conseguido com acções extraordinárias que demonstram a inexistência de ajustamento estrutural. Para 2019,o OGE prevê mesmo a recolha de dividendos da CGD e do Banco de Portugal, para além da redução da despesa com juros, como bem salientou o Conselho de Finanças Públicas. Como diz o povo, tudo coisas comparáveis a contar com o ovo no rabo da galinha.

A Comissão Europeia criticou, em particular, que o Governo utilize as verbas dos dividendos da CGD e do Banco de Portugal para a redução do défice, em vez de com elas reduzir a gigantesca dívida pública, que anda outra vez pelos seus máximos, à volta dos 250 mil milhões de euros. Já por cá não deveremos perguntar-nos se os lucros da CGD deverão ser utilizados para equilibrar as contas do Estado, em vez de servirem para diminuir a dependência da própria CGD?
E quando é que o tal fim da austeridade servirá para baixar a carga de impostos que é uma autêntica canga que portugueses e empresas carregam, impedindo um crescimento que se veja? É que a carga fiscal anda pelos 34,7% e, ao contrário do que diz o governo, não anda pela média europeia já que o que interessa é o esforço fiscal que é superior ao dos alemães em 35%. Por isso somos pobres, aliás cada vez mais pobres. No fim do século XX Portugal tinha atingido 84% do rendimento per capita médio europeu. Neste momento esse valor é de 78% e a nossa economia tem o quinto valor de crescimento mais baixo da zona Euro. Em 2019 voltamos de novo a crescer abaixo da média europeia e os crescimentos dos países com quem podemos comparar andam pelo dobro e pelo triplo do nosso. Bem podem os políticos que nos governam limpar as mãos à parede com tais sucessos.
O ministro das Finanças respondeu aos comissários europeus com o habitual: “o Orçamento mantém um controlo apertado da despesa”. Traduzindo, quer dizer que na execução vai usar as mesmas artimanhas, mas para pior, dos últimos três anos para descer o valor do défice, isto é, garrote nas despesas através das cativações, investimentos nos mínimos de dezenas de anos e falta de assinatura das finanças para autorizar despesas, ainda que previstas. Os partidos que apoiam o governo ficam assim sem pé para argumentarem que não sabiam que o Governo não tinha a mínima intenção de cumprir o previsto no OGE. Se nos anos anteriores se queixaram de que não sabiam como seria a execução, agora já sabem previamente o que aí vem e a sua aprovação do OGE transforma-se em pura hipocrisia política.
E os portugueses olham espantados para as discussões bizantinas sobre o IVA das touradas, enquanto se prepara ainda mais uma cavadela na qualidade do Serviço Nacional de Saúde, da Segurança pública, do sistema Judicial, da Educação e das infra-estruturas.
Os sucessos no combate ao défice público seriam bons se conseguidos através de políticas sustentadas de controlo da despesa e não por cortes obscenos no funcionamento do próprio Estado e por uma carga fiscal verdadeiramente impeditiva do crescimento económico, enquanto o valor da dívida continua a crescer. Assim, estamos condenados ao marasmo económico e empobrecimento relativo.

Notas:
1 - Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Novembro de 2018
2- Fotos retiradas da Internet; caso tenham direitos de autor, agradeço informação de tal, para as retirar.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Arte, beleza e modernidade

Poderíamos classificar este retrato como ultra-moderno, não fora o caso de ter sido pintado há mais de 500 anos por Botticelli. Se calhar, é mesmo ultra-moderno. Para sempre.



Retrato de Simonetta Vespuci (Botticelli, c. 1476)

PSD - sem setas

 Visitei o site oficial do PSD e verifiquei que em lado nenhum surge o seu símbolo oficial: as três setas. Não é, nem pode ser uma questão de marketing. Trata-se de uma questão política que nada tem a ver com as opiniões de um simples sec. Geral, seja ele quem for.
A questão é que um partido que tem vergonha do seu símbolo imediatamente reconhecido por toda a gente, perde igualmente a alma. Será que, nas próximas eleições, o PSD não coloca o seu símbolo nos boletins de voto? Aqui chegados, alguém está errado no meio disto: ou a liderança, ou o partido.
 Recordo o significado de cada uma das setas, que têm valor político e programático diferenciador dos outros partidos: a liberdade, a igualdade e a solidariedade.

BORBA - a tragédia

A responsabilidade primeira dos governantes, seja a que nível for, deve ser a segurança das pessoas. Não se percebe como foi possível abrir aquelas crateras ao lado de uma estrada durante dezenas de anos, sem respeitar faixas de protecção e sem acção legal de ninguém, autarquias e direcções de economia.
O abatimento da estrada entre pedreiras, cuja elevada probabilidade de acontecer foi apresentada aos autarcas em devido tempo, é um acidente que, por estas circunstâncias, é um crime.
Depois de feitos os avisos, a estrada continuou aberta ao trânsito, havendo imagens de veículos pesados a passar por lá e, imagine-se, os ciclistas da Volta a Portugal!
Os portugueses assistem diariamente às mais diversas manifestações de indignação pelas coisas mais caricatas. Este caso, pelas mais diversas razões, deverá suscitar reacções sérias, a começar pela Justiça, não esquecendo o Sr. Presidente da República. Repito, está em causa a segurança das pessoas.