sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

O i/responsável

Os meus amigos querem mesmo saber quem é o grande responsável pela enorme dívida pública e pelo que aconteceu ao sistema financeiro português?
Tem um nome: Vitor Constâncio e era responsável pelo Banco de Portugal quando escreveu esta pérola sobre a entrada no euro, que anda muito esquecida:
"Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos. Ninguém analisa a dimensão macro da balança externa do Mississipi ou de qualquer outra região de uma grande união monetária. Isto não significa que não exista uma restrição externa à economia. Simplesmente esta é o resultado da mera agregação da capacidade de endividamento dos vários agentes económicos. O limite depende essencialmente da capacidade de endividamento dos agentes internos (incluindo os bancos) perante o sistema financeiro da Zona Euro. Se e quando o endividamento for considerado excessivo, as despesas terão que ser contidas porque o sistema financeiro limitará o crédito. O equilíbrio restabelece-se espontaneamente, por um mecanismo de deflação das despesas, e não têm que se aplicar políticas de ajustamento."

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Recordar Michel Legrand, desaparecido há poucos dias

Igreja de Sta Cruz

Coimbra tem monumentos maravilhosos. Este recanto da Igreja de Sta. Cruz que contém pedaços da primitiva Igreja e da remodelação do sec. XVI é um deles. E, ao fundo, as imagens dos "Mártires de Marrocos".

DESCENTRALIZAÇÃO

 Esta discussão sobre a "maior reforma estrutural desde o 25 de Abril" como diz António Costa está a ser feita de uma forma muito estranha por parte das autarquias.
À partida é, genericamente, uma coisa boa, embora não tenha um carácter tão importante como querem fazer crer.
Do ponto de vista das autarquias e tratando-se de competências transferidas, há 3 coisas a ponderar, sem o que não pode haver decisões sérias:
- São competências que faz sentido serem das autarquias?
- Qual o custo e benefício de cada uma? em termos de custos directos e de estrutura (equipamento e pessoal)?
- A transferência financeira cobre os custos?
Sem resposta a cada um destes itens, é decidir no escuro (na minha humilde opinião). O que muitas autarquias estão a fazer.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

A CAIXA DO REGIME



MISSÃO: A missão da CGD consiste em contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento económico nacional, num quadro de evolução equilibrada entre rentabilidade, crescimento e solidez financeira, acompanhado por uma prudente gestão dos riscos, que reforce a estabilidade do sistema financeiro nacional. Enquanto agente dinamizador do desenvolvimento económico do país, a missão da CGD é concretizada através de (entre outros): Reforço da competitividade, capacidade de inovação e internacionalização das empresas portuguesas, sobretudo as PMEs, assegurando as respetivas necessidades de financiamento; Oferta de soluções para as necessidades financeiras das famílias portuguesas ao longo dos vários momentos do seu ciclo de vida, fomentando a poupança e o investimento nacional.
VALORES: A atividade da CGD e a conduta dos seus colaboradores pautam-se pelos seguintes valores fundamentais (entre outros): Rigor, que inclui a objetividade, profissionalismo, competência técnica e diligência, tendo sempre em vista alcançar maiores níveis de qualidade e eficiência económica, financeira, social e ambiental pela adoção das melhores práticas bancárias e financeiras; Transparência na informação, nomeadamente no que respeita às condições de prestação de serviços e ao desempenho da organização, atuando com verdade e clareza.
Há poucos dias foi tornado pública a versão preliminar de uma auditoria à gestão da Caixa Geral de Depósitos entre 2000 e 2015, pedida pelo Governo em 2016. Com tudo o que se tem dito a propósito, pareceu-me salutar e até pedagógico começar esta crónica pela compilação de parte dos documentos fundamentais de orientação da actividade da CGD. Acresce ainda que, de acordo com os seus estatutos, as ações representativas do capital social só poderão pertencer ao Estado que é, portanto, o seu accionista único.
A auditoria da Ernest & Young veio colocar a nu aquilo que já todos intuíamos, embora de forma desordenada ou esparsa. Em primeiro lugar mostra que houve um período crítico entre 2007 e 2012. Em segundo lugar, que várias administrações autorizaram por si próprias operações de crédito de elevada dimensão, sem levar em conta pareceres contrários ou condicionados da Direcção Global de Risco, ou prescindindo mesmo de qualquer parecer da DGR; outros casos houve em que não foram exigidas garantias suficientes para cobertura dos empréstimos, de acordo com as normas da CGD.
Este relatório tem mais de um ano e tem estado convenientemente escondido dos olhares dos portugueses com argumentos como o sigilo bancário. Ora a CGD, em virtude da sua missão estatutária, bem como os governos como representantes do accionista único, têm responsabilidades especiais para com o destino dado aos dinheiros da Caixa, porque têm como origem exclusiva os impostos pagos pelos portugueses. Nem a CGD pode ser gerida apenas como um banco privado, nem os governos se podem furtar às suas responsabilidades para com os destinos da Caixa, quer pelas instruções gerais que transmitem às administrações, quer pela análise e aprovação anual das contas da sociedade.
De acordo com a auditoria, houve 3.000 milhões de créditos que se saldaram em perdas de 1.200 milhões de euros. A pior operação foi a da Artlant, para construção da fábrica da antiga La Seda em Sines classificada como PIN pelo Governo Sócrates/Pinho na qual, de 350,8 milhões investidos pela CGD, se perderam 211 milhões de euros; tratou-se um investimento todo pago pela CGD em que a Administração ultrapassou os processos normais de análise de risco. De todos os negócios, o pior foi o do BCP, em que a CGD perdeu 559 milhões de euros.
A tudo isto acresce que os administradores da CGD não prescindiram de se atribuir prémios por desempenho, mesmo quando se traduzia por prejuízos anuais de centenas de milhões de euros. O accionista único representado pelos diversos governos em plena Assembleia Geral anual da Sociedade, foi aprovando sempre as respectivas contas.
O leitor não encontrará nesta crónica juízos de valor ou comentários éticos. Penso que, face ao descrito, são desnecessários, fazendo apenas votos de que o conluio evidente entre classes política e de negócios não consiga ficar impune, através de manipulação que leve à ultrapassagem dos prazos penais e correspondente desresponsabilização criminal obtida pela prescrição dos prazos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de  28 de Janeiro de 2019

sábado, 26 de janeiro de 2019

Serra



Manhã de Inverno no alto da Serra Amarela, depois da Barragem de Sta. Luzia. Ali em baixo, a Aldeia de S. Francisco de Assis. À esquerda a Barroca Grande com os gigantescos montes de detritos da mina. Do lado direito, mais longe, a antiga "lavaria do rio" que marca o Rio Zêzere.
 
 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O eterno recomeço da História




Quem viveu durante a paz da “guerra fria” que se seguiu à Segunda Guerra Mundial logo no fim dos anos 40 do século passado e que só terminou com o fim da União Soviética em 1991 terá, certamente, sentimentos algo contraditórios relativamente ao presente. Durante aquele período de tempo histórico, havia uma clivagem política, económica e social evidente: de um lado estava o capitalismo simbolizado pelos EUA que tinha criado uma aliança defensiva militar, a NATO, e do outro estava o campo socialista dirigido pela URSS, que tinha igualmente uma aliança militar com os outros países governados por partidos comunistas.
O império soviético acabou por cair por exaustão, incapaz de acompanhar o tremendo desenvolvimento económico do mundo capitalista. Esse fim acabou com um mundo bipolar, criando expectativas sobre uma unificação mundial sob um mesmo sistema, havendo mesmo quem sugerisse que se assistia então ao “fim da História”. Nada de mais errado. Depois de um período de alguma acalmia, o mundo pareceu ter acelerado no sentido de uma globalização que tem vários aspectos contraditórios.
A pobreza no mundo sofreu uma diminuição acentuada, tendo sido puxadas milhões de pessoas para dentro do limiar da sobrevivência. Por outro lado, essa mesma globalização veio retirar trabalho dos países economicamente mais desenvolvidos, diminuindo aí o crescimento de bem-estar que se verificava continuamente desde os anos 50.
A globalização só se tornou possível pelo grande desenvolvimento das tecnologias de informação, que estabeleceram redes interligadas por todo o mundo. Se as redes sociais são um sinal dessa ligação que todas as pessoas podem verificar diária e pessoalmente, algo muito mais relevante para o mundo se passa através das ligações informáticas. Os fluxos financeiros que antes demoravam dias a concretizar-se, passaram a ser instantâneos, com muitos milhões de euros a dar literalmente a volta ao mundo em cada segundo.

Esta rapidez de transferência de verbas astronómicas tornou o seu controlo muito difícil, se não mesmo impossível na sua totalidade. O mundo financeiro transformou-se rapidamente, tendo a banca de investimento, tornada altamente sofisticada e especulativa, invadido a banca clássica de retalho, com consequências devastadoras como vimos na crise financeira de 2008.
Mas, paralelamente à diminuição mundial de pobreza, todas estas transformações têm sido acompanhadas por uma gigantesca operação de transferência de dinheiro das classes médias para um reduzido grupo de empresas e personalidades hiper-milionárias, precisamente à conta do desenvolvimento das tecnologias de informação. Aparecem assim a Microsoft, a Amazon, a Google, o Facebook e mais meia-dúzia de empresas que actuam a nível global e sugam quantidades impressionantes de dinheiro do resto da economia de uma forma praticamente automática, através de programas informáticos a que ninguém hoje em dia pode fugir.
Os nascidos na última vintena do século XX ou já no século actual têm referenciais políticos que nada têm a ver com os do período da “guerra fria” que, no entanto, ainda são os de muitos dos que a viveram. Estão neste caso muitos dos políticos actuais e ainda alguns que, sendo mais novos, militam em partidos espartilhados nos limites antigos capitalismo/socialismo ou mesmo direita/esquerda que não fornecem respostas adequadas aos novos tempos.
E a verdade é que se estão novamente a criar as condições para uma sensação generalizada de injustiça que pode conduzir a revoltas muito sérias pelo mundo, principalmente no chamado mundo desenvolvido. Essas revoltas não serão já conduzidas por elites politizadas como sucedeu há cem anos, mas caracterizar-se-ão por uma organização inorgânica e violência anárquica nas ruas. Aliás, quer as manifestações dos coletes amarelos em França, quer o ressurgimento de movimentos ditos neo-nacionalistas ou populistas um pouco por todo o lado são um sinal claro de que nos subterrâneos das nossas sociedades algo poderá estar a germinar e que não será bonito de se ver quando surgir à luz do dia. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Janeiro de2019